Milagre nos Andes: 72 Dias na Montanha e Minha Longa Volta para Casa

Autor: Nando Parrado e Vince Rause
Editora: Objetiva
Ano: 2006
Edição: 1
Páginas: 304
Tradução: Fabiano Morais

Original: Miracle in the Andes: 72 Days on the Mountain and My Long Trek Home

Dedicatória:

Para Veronique, Veronica e Cecilia. Tudo valeu a pena. Eu faria tudo de novo por vocês.

 

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[Quando era criança, tenho nas minhas memórias, o dia que minha mãe falou que ia para Brasília de avião, ficar com a minha avó que estava com câncer. Chorei muito. Não sei por que, achei, na ignorância inocente que o avião cairia com a minha mãe lá dentro e eu nunca mais a veria. Chorei até que minha cabeça explodisse e aos poucos, recompondo-me na solidão do meu quarto, envergonhada por um pensamento tão funesto, encarei que era necessário que minha mãe fosse. Outra história que tenho, é que meu avô, vindo do Japão para casar com esta mesma avó que estava com câncer, perdeu o avião por causa de uma dor de barriga e não embarcou no vôo que não chegaria ao destino. Minha avó imaginou-se viúva antes mesmo de casar. Até conseguir entrar em contato, na década de 40, deram meu avô como morto.]

Viajei para o Chile, pela primeira vez este ano, em janeiro. Foi o primeiro país da América Latina que decidi conhecer. A dimensão das Cordilheiras dos Andes, ainda que sob os atentos olhares a metros de altura dentro de um confortável avião é estonteante e ao mesmo tempo, hipnotizante.

A história do livro aconteceu de verdade: em Outubro de 1972, um grupo de jovens jogadores de rugby do time uruguaio “Los Old Christians”, juntamente com familiares, amigos e tripulação (totalizando 45 pessoas), embarcavam em Montevidéu em um avião fretado das Forças Aéreas Uruguaia no Fairchild Hiller F-227. O destino era um amistoso em Santiago, Chile, mas o avião cai no meio das Cordilheiras dos Andes.

A princípio, parece que a queda ocorreu por causa de um erro do piloto. Ele começou o procedimento de descida antes do tempo, o que levou o avião a bater nas montanhas e cair, a cerca de 70 km do destino.

Nando, o narrador deste livro, recobra a consciência três dias depois do acidente. Sua mãe, infelizmente está morta. Sua irmã mais nova, Susy, está viva, porém em condições precárias. Dos 45 passageiros, contabilizaram 29 sobreviventes, que se transformariam em 16, número de resgatados em Dezembro, 72 dias após a queda do Fairchild.

Ele descreve, com muita riqueza de detalhes, o horror ao acidente, o trauma, os sentimentos de perda (principalmente por causa de sua família e seus amigos que morreram) e claro, a imensidão das montanhas e a percepção do desalento perante a tragédia. Este esmero de prosa em primeira pessoa, pode parecer, sob um olhar mais cético, que a narrativa beira a repetição, principalmente nas partes onde ele fala da ausência da família, e da saudade do pai, que ficara em casa. Talvez a ênfase não seja proposital, talvez ela seja apenas existente e uma forma de exorcizar a falta.

Um outro ponto importante do livro é a presença de Deus na maioria dos discursos. Mesmo em um ambiente inóspito, sem nenhum sinal de vida e rodeado pela morte nos corpos enterrados, os amigos de Nando anseiam pelo perdão divino, principalmente no momento derradeiro onde a vida passa diante dos olhos.

O cotidiano no local da queda era, obviamente, precário: não havia mais comida, fogo ou qualquer tipo de entretenimento. Além das baixas temperaturas, a fome emplacava cada vez mais. Com o término da comida, eles precisaram desenterrar e cortar seus amigos para garantir a subsistência. Parte da mídia tratou isso como necessidade do processo, parte disse que era um ritual satânico macabro (principalmente estampando matérias sensacionalistas com as ossadas).

A saga começa a ter seu desfecho quando Nando Parrado e Roberto Caneda saem do local em direção ao que acreditam ser o caminho do Chile. Lá encontram ajuda e indicam a trilha para o resgate dos amigos que ficaram na neve.

A maioria dos sobreviventes atualmente, são importantes figuras da elite uruguaia. Nando, por exemplo, esboçou a vida de piloto de automobilismo (frequentando inclusive a mesma escola de Emerson Fittipaldi) e produtor de TV. Roberto Canessa é um renomado médico, por exemplo. Eles se encontram anualmente e o elo que permeia a amizade é muito maior do que quando tinham 18 anos. Carlos Paez, um dos sobreviventes, inclusive, veio ao Brasil para uma entrevista com o Jô Soares.

No ano passado, li a incrível viagem de Shackleton. A história, apesar de bastante diferente (uma expedição marítima), se assemelha a este livro por causa das provações e, por que não, tom de tragédia e humanização dos problemas em sociedade.

O que me choca, neste livro, não é a necessidade antropofágica, mas sim a obstinação, principalmente de Nando, em querer voltar para casa e não desistir. Mesmo ouvindo a comunicação do rádio que as buscas pelo avião haviam sido encerradas, eles continuaram e não se deixaram sucumbir. Há várias palestras sobre o acidente (feitas pelos próprios sobreviventes), documentários, filmes e outros livros. Agora o que me resta é incluir nos destinos de férias o Museu do Andes 1972 em Montevidéu.

Destaques:

[1] O Uruguai é um país de baixa altitude e, como a maior parte dos meus amigos no avião, meu conhecimento sobre os Andes, ou sobre qualquer tipo de montanha, limitava-se ao que eu lera nos livros. Aprendemos na escola que a cordilheira dos Andes é a mais longa cadeia de montanhas do mundo, cruzando a América do Sul desde a Venezuela, ao norte, até a ponta meridional do continente, na Terra do Fogo. Eu também sabia que os Andes são a segunda mais elevada cordilheira do planeta, em termos de altura média. Somente o Himalaia é mais alto.

[2] — Nando, quero que você se lembre que mesmo neste lugar nossas vidas têm sentido. Nosso sofrimento não é em vão. Mesmo se ficarmos presos aqui para sempre, podemos amar nossas famílias, a Deus e uns aos outros enquanto estivermos vivos. Até mesmo neste lugar nossas vidas valem a pena.

[3] — Você precisa ser forte, Numa, pela sua família. Você vai vê-los de novo. Numa se limitou a sorrir. — É engraçado — ele disse. — Acho que a maioria dos homens morre arrependida dos erros que cometeu na vida, mas eu não tenho arrependimentos. Procurei viver uma boa vida. Procurei tratar as pessoas bem. Espero que Deus leve isso em conta.

[4] Minha mente era uma tempestade de perguntas. Como deve ser congelar até a morte?, eu imaginava. É uma morte dolorosa ou tranquila? Rápida ou lenta? Parece ser um jeito tão solitário de morrer. Como se morre de exaustão? Você simplesmente cai pelo caminho? Seria horrível morrer de fome, mas eu preferiria isso a cair da montanha. Por favor, Deus, não me deixe cair. Esse era o meu maior medo — deslizar pelas encostas íngremes por centenas de metros, tentando me agarrar à neve, sabendo estar a caminho de um despenhadeiro e de uma queda inevitável até as rochas a milhares de metros abaixo. Como deveria ser cair de uma altura daquelas? Será que minha mente se desligaria para me poupar do horror ou eu permaneceria lúcido até bater no chão? Por favor, Deus, proteja-me desse tipo de morte.

[5] A montanha me ensinava uma dura lição: a camaradagem é um sentimento nobre, mas, no fim das contas, a morte é um oponente que só podemos enfrentar sozinhos.

[6] — O sol vai nascer amanhã — ele me disse —, e depois de amanhã e depois de depois de amanhã. Não deixe que aquilo se torne a coisa mais importante que aconteceu na sua vida. Olhe para a frente. Você vai ter um futuro. Você vai viver uma vida.

[7] Minha esperança é que você que está lendo este livro não custe muito a ter consciência dos tesouros que possui. Nos Andes, vivemos de batida do coração em batida do coração. Cada segundo de vida era uma dádiva que resplandecia de propósito e sentido. Venho tentando viver dessa forma desde então, e isso encheu minha vida de incontáveis bênçãos. Insisto que você faça o mesmo. Conforme dizíamos nas montanhas: “Respire. Respire mais uma vez. Enquanto estiver respirando, você está vivo.” Após todos esses anos, este ainda é o melhor conselho que posso lhe dar: Saboreie sua existência. Viva cada momento. Não desperdice uma respiração.

Sobre carolinayji

Desde que me conheço por gente, há algumas décadas, sou eu.
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