TED Talks – O Guia Oficial do TED Para Falar Em Público

Author: Chris Anderson
Editora: Intrínseca
Ano: 2016
Edição: 1
Páginas: 240
Tradução: Renata Guerra
Original: The Official TED Guide To Public Speaking

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As lembranças mais remotas que tenho de apresentação em público remontam os tempos de escola. Apresentei inúmeros trabalhos de biologia em grupo no ensino fundamental (teve um sobre ossos do corpo humano onde tive a brilhante ideia de desenhar e cortar vários ossos para escrever os dados do grupo – talvez a Hellen se lembre disso). Mas certamente a apresentação que mais me marcou foi uma no CEFET. Precisei decorar algumas páginas sobre os mais diversos tipos de diodos em uma disciplina de Eletrônica. Passei uma tarde decorando e repassando o texto com a minha mãe e me senti tão segura, que acho que passei a impressão que eu realmente dominava a matéria. Foi até engraçado ouvir o professor (que se não me falha a memória se chamava Sérgio Cabral) dizer que eu dominava a matéria, sendo que cá entre nós, não era verdade.

Depois tive apresentações na Graduação, no Mestrado, na Pós e claro, no trabalho. Infelizmente, nunca mais consegui repetir o sucesso do dia dos diodos.

Coincidentemente, a Carol disse que havia esta sugestão de livro com técnicas de apresesentação, e acabei lendo. A leitura é bem divertida. Conhecemos algumas histórias de bastidores do TED e sugestões interessantes de palestras (incluindo da Monica Lewinsky!).

O livro é rico no que se refere ao aprendizado da arte de falar em público. Após refletir em como faria esta resenha, acabei optando por não falar nada. É difícil de limitar o que pode ser útil pra você na hora de falar em público. Por isso selecionei algumas passagens e convido você a experimentar a leitura.

Destaques:

[1] O TED começou como uma conferência anual, com palestras nos campos da Tecnologia, do Entretenimento e do Design (daí o nome). Nos últimos anos, porém, o programa se expandiu e passou a cobrir qualquer tópico de interesse público. Os palestrantes procuram difundir suas ideias entre pessoas que não atuam em seu campo, e para isso realizam palestras breves preparadas com todo cuidado. Para nossa satisfação, essa forma de falar em público se mostrou um retumbante sucesso on-line: hoje as Conferências TED contabilizam mais de um bilhão de visualizações por ano.

[2] Quando subiu ao palco, dava para notar que estava nervoso, mas isso só o tornou mais cativante. Ele começou a falar, e a plateia prestou atenção em cada palavra — e sempre que ele sorria a plateia se derretia. Quando acabou, as pessoas simplesmente se levantaram e aplaudiram. O caso de Richard pode incentivar você e todos nós a crer que somos capazes de dar uma palestra decente. Seu objetivo não é ser um Winston Churchill ou um Nelson Mandela. É ser você. Se você é cientista, seja cientista; não tente ser um militante. Se é artista, seja artista; não tente ser um acadêmico. Se é um sujeito comum, não queira simular um impressionante estilo intelectual; seja esse sujeito comum. Você não tem obrigação de fazer uma multidão se pôr de pé com uma oratória notável. Um tom de conversa pode funcionar muito bem. Na verdade, para a maioria das plateias, é bem melhor assim. Se você sabe conversar com um grupo de amigos durante o jantar, também sabe falar em público.

[3] Uma apresentação mais curta não significa de modo algum menos tempo de preparação. Certa vez, perguntaram ao presidente americano Woodrow Wilson quanto tempo ele levava para preparar um discurso, no que ele respondeu: Depende da extensão. Se durar dez minutos, preciso de não menos do que duas semanas para me preparar; se for de meia hora, preciso de uma semana; mas, se eu puder falar o tempo que quiser, não preciso me preparar. Fico pronto na hora. Isso me lembra uma citação famosa, atribuída a vários grandes pensadores e escritores: “Se eu tivesse mais tempo, teria escrito uma carta mais curta.”

[4] Há dois segredos para se revelar um sonho com eficácia: Pinte um quadro nítido da alternativa futura que você almeja. Faça-o de um jeito que outras pessoas também passem a desejar esse futuro.

[5] A finalidade principal dos recursos visuais não deve ser comunicar palavras. A boca do palestrante já faz isso muito bem. A finalidade dos recursos visuais é mostrar aquilo que a boca não mostra tão bem: fotografias, vídeos, animações e dados importantes.

[6] Usada assim, a tela pode explicar num instante o que, de outra forma, tomaria horas. No TED, nosso usuário de recursos visuais preferido é Hans Rosling. Em 2006, ele mostrou uma sequência de gráficos animados que durou 48 segundos. Mas nesses 48 segundos ele transformou o modelo mental que tínhamos do mundo em desenvolvimento. E acontece que não tenho como explicá-los a quem não os viu. Isso exigiria vários parágrafos, e mesmo assim eu não chegaria nem perto do objetivo. A questão é exatamente essa. Era necessário vê-los numa tela. Procure no site do TED “Hans Rosling mostra as melhores estatísticas que você já viu”. (O trecho começa aos 4:05.) Nem todo mundo pode ser um Hans Rosling, mas todo mundo pode se perguntar: “Recursos visuais são indispensáveis para explicar o que eu quero dizer? Se forem, qual é a melhor forma de combiná-los com minhas palavras de modo que a interação seja intensa?”

[7] TRANSIÇÕES Para muitos palestrantes, as transições entre slides constituem uma temida areia movediça. A regra prática é a seguinte: evite quase todas. Shimmer, sparkle, confetti, twirl, clothesline, swirl, cube, scale, swap, swoosh, fire explosions e dropping and bouncing são transições do Keynote. Eu só as uso para criar humor e ironia. São artifícios chamativos e desviam a atenção, que sai das ideias e cai na mecânica do software. Há duas transições de que eu gosto: cut (um corte instantâneo, como na edição de um filme) e dissolve. Não usar nenhuma (ou usar cut) é excelente quando você quer uma resposta instantânea ao clique; e dissolve parece natural, se configurada para um intervalo de, no máximo, meio segundo. Cortar (cut) e dissolver (dissolve) têm dois significados subconscientes: com cortar, você está passando para uma ideia nova, e ao dissolver os dois slides têm alguma relação. Essa regra não é rígida, mas vale. Você pode usar as duas formas de transição na mesma apresentação. Se não houver motivo para transição, não use. Em resumo: a transição nunca deve chamar a atenção.

[8] O maior comunicador corporativo dos últimos tempos, Steve Jobs, não chegou lá apenas com talento. Dedicou horas a cuidadosos ensaios para lançar cada produto importante da Apple. Ele era obcecado pelo detalhe.

[9] Até Bill Gates, um dos homens mais ocupados do mundo, dedica bastante esforço a aprender e ensaiar suas Conferências TED. Já houve um tempo em que ele foi considerado um orador fraco. Levando a sério a preparação, ele deu a volta por cima e ministrou influentes palestras sobre saúde pública, energia e educação.

[10] A economia do conhecimento requer algo diferente. Cada vez mais, o conhecimento especializado, tradicionalmente dominado por seres humanos, vem sendo assumido por computadores. O petróleo não é mais localizado por geólogos, mas por softwares que analisam uma vasta quantidade de dados geológicos em busca de padrões recorrentes. Hoje, os melhores engenheiros civis não precisam calcular à mão as tensões e deformações de um novo edifício; modelos computacionais ocupam-se disso. Praticamente todas as profissões foram afetadas. Eu assisti a uma demonstração do sistema cognitivo IBM Watson. Seu objetivo era diagnosticar um paciente que apresentava seis sintomas específicos. Enquanto médicos coçavam a cabeça e pediam uma série de exames para obter mais dados, o Watson, em poucos segundos, leu quatro mil trabalhos de pesquisa recentes e relevantes, aplicou algoritmos de probabilidade a cada sintoma e concluiu, com 80% de certeza, que o paciente sofria de uma enfermidade rara da qual apenas um dos médicos tinha ouvido falar. Nesse ponto, as pessoas começam a se sentir deprimidas. Começam a fazer perguntas como: “Num mundo em que as máquinas rapidamente se tornam superinteligentes em qualquer tarefa especializada a que as submetemos, para que servem os seres humanos?” É uma pergunta importante. E a resposta dá o que pensar. Para que servem os seres humanos? Os seres humanos servem para ser mais humanos do que jamais fomos. Mais humanos na forma como trabalhamos. Mais humanos naquilo que aprendemos. E mais humanos no modo como dividimos esse saber uns com os outros.

[11] Nosso futuro não será mais assim. Tudo o que puder ser automatizado ou calculado acabará sendo. Bom, nós podemos temer essa situação ou podemos aceitá-la e aproveitar a chance para descobrir um caminho mais rico para uma vida plena. Como será esse caminho? Ninguém sabe ao certo. No entanto, ele provavelmente incluirá: Mais pensamento estratégico sobre sistemas. As máquinas se encarregarão do trabalho pesado, mas nós teremos de definir a melhor forma de fazê-las atuar de forma eficiente umas com as outras. Mais inovação. Diante das imensas possibilidades criadas por um mundo interconectado, quem for capaz de realizar uma inovação genuína terá enormes vantagens. Mais criatividade. Os robôs realizarão muitas atividades que hoje cabem a nós, o que levará a uma explosão na procura de criatividade humana, seja na área de invenções técnicas, design, música ou artes. Mais utilização de valores exclusivamente humanos. Os serviços pessoais florescerão, desde que as qualidades humanas inerentes a eles sejam cultivadas. Será possível criar um barbeiro robótico, mas será que o serviço prestado por ele substituirá a conversa prazerosa de um hábil profissional que às vezes age também como terapeuta? Duvido. O médico do futuro talvez possa solicitar a genialidade do sistema Watson para ajudá-lo em diagnósticos, mas isso deve lhe permitir dedicar mais tempo a compreender de verdade as circunstâncias humanas de seus pacientes. Se uma parte disso tudo se concretizar, provavelmente exigirá um tipo de conhecimento bem diferente daquele que a Era Industrial nos impunha.

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Na Natureza Selvagem

Author: Jon Krakauer
Editora: Companhia das Letras
Ano: 1998
Edição: 1
Páginas: 216
Tradução: Pedro Maia Soares
Original: Into The Wild

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Quando criança, uma das brincadeiras que minha irmã e eu mais gostávamos era brincar com nossos apontadores. Pode soar estranho, mas nossa mãe comprava apontadores em forma dos mais variados bichinhos para fomentar nossa coleção. Tinha o Mel (um urso marrom com avental e chapéu de cozinheiro), a Yuko (uma onça amarela pintada), a Mitie (uma abelhinha muito simpática: uma verdadeira fauna de apontadores!) e tantos outros. Pegávamos várias caixas de sapatos e construíamos um trailer com vários cômodos (Legos, móveis da Barbie etc) e rodávamos pelo mundo, ensaiando um tipo de vida que queríamos ter.

Explorar o mundo como Chris McCandless. Ter uma alma simples e leve, como a de uma criança.

Assisti ao homônimo filme há alguns meses e fiquei com vontade de entender melhor o que aconteceu. Neste livro, conhecemos a breve história de Chris McCandless, um jovem que aos 22 anos decide chegar até o Alasca, deixando para trás uma casa uma casa abastada, a Faculdade de Direito, carro, família e amigos. A narrativa é feita pelo próprio autor, Jon Krakauer, que decide refazer o caminho de McCandless em sua trajetória rumo ao coração da natureza alasquiana. Krakauer havia escrito um artigo sobre a morte de McCandless para a revista Outside (referência para a comunida outdoor) e decide com a biografia póstuma, dar sequência a uma história fascinante.

A narrativa é bem descrita e conta uma certa riqueza de detalhes que vão além da história de Chris McCandless (ou Alex Supertramp, o senhor de seu destino, como ele mesmo preferia ser chamado). Na biografia, há histórias de outros seres ermitões e ensimesmados (como Gene Rosselini, John Mallon Waterman entre outros) que datam de diferentes períodos com as prováveis justificativas para seus os fins trágicos. Nenhum deles havia tido o nobre pensamento que Chris teve, ao revelar em suas anotações o verdadeiro sentido da vida: “a felicidade só é real quando compartilhada”. O autor teve acesso ainda às cartas enviadas por Chris, depoimentos e seu diário de viagem, que comprovavam com fatos e dados a felicidade que era estar nesta aventura.

Chris precisou fazer trabalhos esporádicos (como trabalhar no Mc Donalds), pegar caronas, acampar na rua ou sob o teto de terceiros e nada disso abalou sua crença que seria a forma correta de chegar ao seu eldorado.

A história de Chris é desconcertante: seu carisma e simplicidade tornam-se contraponto de sua inquietude e ensimesmice. Talvez a relação com seus pais tenha colaborado para que a construção de um espírito livre e transgressor. Com este livro, encontro-me a perguntar até que ponto provar que as intempéries do cotidiano estão relacionadas diretamente com a evolução do ser humano.

Chris morreu em 1992, quando eu tinha 9 anos e estava na minha própria bolha. Hoje se estivesse vivo, teria um pouco menos de 50 anos e com certeza, muitas histórias para contar.

A trilha sonora do filme vale muito à pena (tem Eddie Vedder!). Krakauer já havia aparecido aqui neste blog na história de Beck Weathers em “Deixado para Morrer”. Caso não goste de Eddie Vedder, por favor, leia o livro. Vale muito, muito à pena.

Destaques:

[1] “Você via logo que Alex era inteligente”, reflete Westerberg, acabando seu terceiro drinque. “Lia muito. Usava um monte de palavras pomposas. Acho que parte do que complicou sua vida talvez tenha sido que ele pensava muito. Às vezes fazia força demais para entender o mundo, saber por que certas pessoas eram más com as outras. Um par de vezes tentei lhe dizer que era um erro se aprofundar tanto naquele tipo de coisa, mas Alex empacava. Tinha sempre que saber a resposta certa e absoluta antes de passar para a próxima coisa.”

[2] “Àquela altura, não tínhamos absolutamente nenhuma idéia do que Chris poderia estar tramando. A multa por pedir carona não fazia sentido nenhum. Ele adorava tanto aquele Datsun que eu estava atônito que tivesse abandonado o carro e viajasse a pé. Suponho que não deveria ter me surpreendido. Chris era muito da teoria de que você não deve possuir mais do que pode carregar nas costas numa corrida repentina.”

[3] “Ele me ajudou bastante”, reconhece Burres. “Cuidava da banca quando eu precisava sair, classificou todos os livros, fez muitas vendas. Parecia se divertir realmente com aquilo. Alex era bom nos clássicos: Dickens, H. G. Wells, Mark Twain, Jack London. London era o seu predileto. Tentava convencer todo mundo a ler O Chamado da Floresta.”

[4] Ron, eu realmente gostei de toda a ajuda que você me deu e do tempo que passamos juntos. Espero que não fique muito deprimido com nossa separação. Pode levar um bom tempo até que a gente se veja de novo. Mas desde que eu saia inteiro desse negócio do Alasca você terá notícias minhas no futuro. Gostaria de repetir o conselho que lhe dei antes: acho que você deveria realmente promover uma mudança radical em seu estilo de vida e começar a fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar. Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso que parece dar paz de espírito, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito aventureiro do homem que um futuro seguro. A coisa mais essencial do espírito vivo de um homem é sua paixão pela aventura. A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências e, portanto, não há alegria maior que ter um horizonte sempre cambiante, cada dia com um novo e diferente Sol. Se você quer mais de sua vida, Ron, deve abandonar sua tendência à segurança monótona e adotar um estilo de vida confuso que, de inicio, vai parecer maluco para você. Mas depois que se acostumar a tal vida verá seu sentido pleno e sua beleza incrível. Em resumo, Ron, saia de Salton City e caia na estrada. Garanto que ficará muito contente em fazer isso. Mas temo que você ignore meu conselho. Você acha que eu sou teimoso, mas você é ainda mais teimoso do que eu. Você tinha uma chance maravilhosa quando voltou da visita a uma das maiores vistas da terra, o Grand Canyon, algo que todo americano deveria apreciar pelo menos uma vez na vida. Mas, por alguma razão incompreensível para mim. você só queria voltar correndo para casa, direto para a mesma situação que vê dia após dia após dia. Temo que você seguirá essa mesma tendência no futuro e assim deixará de descobrir todas as coisas maravilhosas que Deus colocou em torno de nós para descobrir. Não se acomode nem fique sentado em um único lugar. Mova-se, seja nômade, faça de cada dia um novo horizonte. Você ainda vai viver muito tempo, Ron, e será uma vergonha se não aproveitar a oportunidade para revolucionar sua vida e entrar num reino inteiramente novo de experiências. Você está errado se acha que a alegria emana somente ou principalmente das relações humanas. Deus a distribuiu em toda a nossa volta. Está em tudo e em qualquer coisa que possamos experimentar. Só temos de ter a coragem de dar as costas para nosso estilo de vida habitual e nos comprometer com um modo de viver não convencional. O que quero dizer é que você não precisa de mim ou de qualquer outra pessoa em volta para pôr esse novo tipo de luz em sua vida. Ele está simplesmente esperando que você o pegue e tudo que tem a fazer é estender os braços. A única pessoa com quem você está lutando é você mesmo e sua teimosia em não entrar em novas situações. Ron, eu espero realmente que, assim que puder, você saia de Salton City, ponha um pequeno trailer na traseira de sua picape e comece a ver algumas das grandes obras que Deus fez aqui no Oeste americano. Você verá coisas e conhecerá pessoas e há muito a aprender com elas. Deve fazer isso no estilo econômico, sem motéis, cozinhando sua comida como regra geral, gastando o menos que puder e vai gostar imensamente disso. Espero que na próxima vez que o encontrar você seja um homem novo, com uma grande quantidade de novas aventuras e experiências na bagagem. Não hesite nem se permita dar desculpas. Simplesmente saia e faça isso. Simplesmente saia e faça isso. Você ficará muito, muito contente por ter feito. Cuide-se, Ron Alex.

[5] “Quando Alex partiu para o Alasca”, relembra Franz, “eu rezei. Pedi a Deus que ficasse de olho nele, disse-lhe que aquele garoto era especial. Mas Ele deixou Alex morrer. Então, no dia 26 de dezembro, quando fiquei sabendo do que aconteceu, renunciei ao Senhor. Abandonei minha igreja e tornei-me ateu. Decidi que não podia acreditar num Deus que deixava uma coisa tão terrível acontecer a um menino como Alex. “Depois que deixei os caroneiros”, continua Franz, “dei meia-volta na van, voltei à loja e comprei uma garrafa de uísque. E então fui para o deserto e bebi tudo. Não estava mais acostumado a beber, passei mal. Esperava que me matasse, mas não. Só me deixou muito, muito mal.”

[6] Castidade e pureza moral eram qualidades sobre as quais McCandless meditava muito e com freqüência. Com efeito, um dos livros encontrados no ônibus fatal era uma coleção de contos que incluía “A Sonata de Kreutzer”, de Tolstoi, no qual um nobre que se torna asceta denuncia “as exigências da carne”. Vários trechos como esse estão assinalados e sublinhados no livro cheio de orelhas, com as margens cheias de notas enigmáticas escritas com a grafia característica de McCandless.

[7] “Parei de acenar depois da primeira passagem. Depois me ocupei em arrumar as coisas e me preparar para levantar acampamento”. Mas nenhum avião chegou naquele dia, nem no dia seguinte, nem no próximo. Por fim, McCunn olhou no verso de sua licença de caça e entendeu o porquê. Impressos num pequeno quadrado de papel estavam desenhos de sinais de emergência com a mão para comunicar-se com aviões. “Lembro de ter erguido a mão direita, com o ombro alto, e sacudido o punho na segunda passagem do avião”, escreveu McCunn. “Era uma pequena comemoração – como quando seu time faz um gol, ou algo assim.” Infelizmente, como aprendeu tarde demais, erguer um único braço é o sinal universalmente reconhecido de “tudo bem; ajuda não necessária”. O sinal para “sos; mande ajuda imediata” é dois braços levantados.

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Psicopatas do Cotidiano – Como Conhecer, Como Conviver, Como se Proteger.

Author: Katia Mecler

Editora: Leya Brasil
Ano: 2015
Edição: 1
Páginas: 253

Dedicatória:

In memorian ao meu pai, Abrahao Mecler

 

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Provavelmente você já conviveu com um psicopata, mas pode não ter se dado conta. Atualmente convivo com psicopatas no trabalho. No passado, já me deparei com psicopatas na escola, na graduação, no mestrado e em tantos outros ambientes de trabalho. É preciso saber como lidar com isso.

Sem muito alarde, já sofri bastante com isso. Pensando que o problema era meu, interiorizei várias questões que na verdade, eram dos outros. Eram os outros. Não me entenda mal, não sou uma pessoa perfeita. Bem longe de ser. Tenho cá minhas psicoses também.

Neste livro, Katia Mecler apresenta de forma bastante simpática uma introdução sem muitos termos técnicos como podemos identificar de maneira clara, a presença da psicopatia nas pessoas ao nosso redor. Ela traz à tona comparações com personagens de livros, filmes e seriados, para que o nosso entendimento seja o mais fácil possível. Também interpreta músicas (como a do Legião Urbana) e abre nossos olhos para as mensagens (que na verdade, não são nada subliminares).

Somos apresentados aos vários tipos de psicopatas (não pense você que psicopata é apenas aquele que mata, como um serial killer). Há três grandes grupos de psicopatias:

Grupo A: esquizóide, esquizotípico e paranóide.

Grupo B: antissocial, borderline, histriônico e narcisista.

Grupo C: dependente, evitativo e obsessivo-compulsivo.

Ela explica com os exemplos e conseguimos fazer várias comparações com a nossa vida. Entender o princípio do raciocínio de um psicopata pode te ajudar a evitar sofrimentos (ou pelo menos, amenizá-los).

Vale bastante a leitura, principalmente para entendermos o olhar do outro, o que nos leva a uma segunda reflexão: ninguém é perfeito e tampouco a mudança do outro é possível se ele não estiver aberto para isso.

Destaques:

[1] Um bom exemplo é Darth Vader, o vilão intergaláctico de Guerra nas estrelas. Um grupo de psicólogos e psiquiatras da Universidade de Toulouse, na França, detectou no personagem seis dos nove traços do estilo borderline. Para quem não conhece a saga, Anakin Skywalker é um jovem que se prepara para tornar-se um cavaleiro Jedi, ou seja, um guerreiro do bem. Desde cedo, ele demonstra raiva e impulsividade, por vezes, incontroláveis, além de oscilar entre a idolatria e o ódio a seus mentores. Quando adulto, assume a identidade de Darth Vader e se torna a face do mal. Independentemente do lado que escolhe, ele está sempre sofrendo, com um sentimento crônico de vazio. Não consegue estabelecer uma relação com a mulher que ama, não tem amigos – seu jeito instável afasta todo mundo – e, solitário, acaba pondo fim à própria vida. Ideias suicidas, muitas vezes levadas a termo, também fazem parte do conjunto de características das pessoas com o TP borderline. Em nenhum momento, Vader perde o contato com a realidade. Ele tem consciência de seus atos e, com frequência, se martiriza por não conseguir controlar os acessos de raiva. Revela um medo inexplicável de ser abandonado e, por causa desse sentimento, torna-se capaz de maldades incalculáveis. Numa frase, seu mentor, Mestre Yoda, resume bem o que se passa na mente de um indivíduo com essa natureza: “O medo é o caminho para o lado negro. O medo leva à raiva. A raiva leva ao ódio. O ódio leva ao sofrimento.”

[2] O mesmo acontece com outro psicopata famoso da ficção, o serial killer Dexter, do seriado de mesmo nome. Ele trabalha no Departamento de Polícia de Miami e dedica suas horas vagas a matar assassinos que escapam da lei. Um justiceiro sanguinário, cujos crimes – metodicamente planejados – são tão violentos quanto os de suas vítimas. No trato social, Dexter é agradável e encantador com quem o rodeia. De dia, leva uma vida convencional, sendo muito elogiado no trabalho. À noite, caça psicopatas. Em oito temporadas, a série teve uma média de seis milhões de espectadores por episódio, deixando claro o fascínio que esse tipo de história exerce.

[3] Indisponíveis para o outro, os indivíduos com esse traço tendem a ser fechados. Muitos acabam desenvolvendo um afeto exagerado por animais de estimação. Outros transformam o quarto num refúgio. São as características dos eremitas do século XXI, capazes de passar horas enfurnados em um cômodo com computador, videogame e fones de ouvido. A caverna tecnológica preenche quase todas as suas necessidades. No Japão, esse comportamento ganhou um termo próprio: hikikomori. Traduzindo ao pé da letra, seria algo como “puxando para dentro”. Jovens ou adultos abrem mão da vida em sociedade para se refugiar numa espécie de confinamento. “Por que preciso do mundo exterior se posso ficar em paz no meu quarto, sem fazer mal a ninguém?”, indaga uma paciente. Naturalmente, precisamos levar em consideração que algumas culturas valorizam um comportamento mais recluso e introspectivo. No oriente, isso é bem comum. Mas quando a ideia de viver numa caverna – ainda que munida de equipamentos modernos – se espalha pelas redes sociais e atrai jovens criados sob outros padrões, já podemos pensar na faceta esquizoide.

[4] Na vida profissional, os indivíduos com esse traço geralmente optam por atividades que possam desempenhar sozinhos, de preferência sem sair de casa. São concentrados, não se deixam distrair pelo ambiente externo e encaram com facilidade tarefas mecânicas ou repetitivas. No trabalho, é possível reconhecê-los naquele colega que passa horas em frente ao computador sem trocar uma palavra com ninguém. Carreiras nas áreas de matemática ou de informática, que exigem a repetição exaustiva de padrões, tornam-se um atrativo natural para quem tem esse tipo.[5] Muitas vezes, uma faceta paranoide contribui para agravar a patologia. É o caso de Eric Harris, que aos 18 anos foi um dos autores do massacre de Columbine, em 1999. A tragédia deixou quinze mortos (inclusive os dois jovens assassinos) e 25 feridos. Ao se autodefinir, ele usou a seguinte frase: “Mato aqueles de quem não gosto, jogo fora o que não quero e destruo o que odeio.”

[6] “O esquizoide é o parente ausente. Ele é o irmão faltando nos almoços de família. É o(a) sobrinho(a) que não vai a enterros. Obviamente o resto da família poderá nos tratar da mesma forma. Mas isso não nos é difícil de tolerar. Podemos até ficar chateados por sermos ignorados, mas não nos tornamos emotivos por causa disso”, define a mãe de um jovem diagnosticado com esse traço. O indivíduo com esse estilo de personalidade parece ter feito um botox emocional, tamanha a falta de expressão de seus sentimentos. Sua expressão facial pode parecer paralisada, independentemente do que acontece no mundo ao redor.

[7] É possível observar pistas do transtorno de personalidade borderline na adolescência, embora o diagnóstico só possa ser firmado no início da vida adulta. O livro O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, um clássico da literatura americana, pode ser interpretado como a história de um border em formação. Holden Caulfield, de 17 anos, age de forma frenética para evitar um abandono real ou imaginado; tem como padrão relacionamentos instáveis e intensos, oscilando entre a idealização e a desvalorização; é impulsivo nos gastos e no uso de drogas e, frequentemente, ao longo da narrativa, admite sentir um vazio inexplicável. O rapaz vive se envolvendo em brigas, motivadas por acessos de raiva. Eis aí outro traço dos indivíduos borderline: como lidam mal com a palavra “não”, podem reagir com violência quando contrariados. Uma simples discussão no trânsito chega rapidamente às vias de fato. Assim como o jovem Holden Caulfield, o indivíduo com esse transtorno tenta, a todo custo, preencher o vazio existencial que o incomoda, seja em família ou nos relacionamentos amorosos. Pula de galho em galho, à procura de algo que sequer consegue explicar direito o que é.

[8] No ambiente de trabalho, por exemplo, quando ocupam cargos de chefia, fazem a linha “morde e assopra”, alternando elogios rasgados com críticas devastadoras. “Às vezes, meu chefe parece fugir do controle, fica irado, colérico, por nada. De repente, tudo fica bem. Sinto como se estivesse caminhando em areia movediça”, conta o funcionário de uma multinacional.

[9] Indivíduos do grupo A (esquizoide, esquizotípico e paranoide) podem manifestar surtos psicóticos. Já os do grupo B (antissocial, borderline, histriônico e narcisista) e os do grupo C (dependente, evitativo e obsessivo-compulsivo) tendem a ter quadros de ansiedade e depressão.

[10] Bibliografia:
1984 – ORWELL, George
A civilização do espetáculo – LLOSA, Mario Vargas
A máscara da sanidade – CLECKLEY, Hervey
A metamorfose – KAFKA, Franz
As personalidades psicopáticas – SCHNEIDER, Kurt
Cartas a Felice – KAFKA, Franz
Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde (CID 10) – Organização Mundial da Saúde
Correspondência – ESPANCA, Florbela
Cyrano de Bergerac – ROSTAND, Edmond
Dom Quixote – CERVANTES, Miguel de
Hare psychopathy checklist, revised: 2ª edição – D. HARE, Robert
Harry Potter – ROWLING, J. K.
Livro do desassossego – PESSOA, Fernando
Madame Bovary – FLAUBERT, Gustave
Manual de diagnóstico e estatística dos transtornos mentais, 5ª edição (DSM-5) – Associação Americana de Psiquiatria Manual de transtornos de personalidade – CABALLO, Vicente E.
Neurobiologia da personalidade – NATRIELLI FILHO, Décio Gilberto
No estoy seguro de que internet haya mejorado el periodismo – ECO, Umberto (entrevista ao jornal El Mundo)
O apanhador no campo de centeio – SALINGER, J. D.
O diário de Bridget Jones – FIELDING, Helen
O psicopata Americano – ELLIS, Bret Easton
O retrato de Dorian Gray – WILDE, Oscar
O senhor dos anéis – TOLKIEN, J. R. R.
Objetos cortantes – FLYNN, Gillian
Os crimes do monograma – HANNAH, Sophie
Personalidade e psicopatologia – CLONINGER, C. R.
Poesias inéditas – PESSOA, Fernando
Por dentro do psicopata – FALLON, James
Schizophrenia: putting context in context – PARK, Sohee; LEE, Junghee; FOLLEY, Bradley; KIM, Jejoong
Temperamento e humor: uma abordagem integrada da mente – LARA, Diogo
Transtornos de personalidade – CORDÁS, Táki A.; NETO, Mario Rodrigues Louzã
Transtornos de personalidade e doença mental franca – BALLONE, GJ
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Deixado Para Morrer

Author: Beck Weathers e Stephen G. Michaud
Editora: Intrínseca
Ano: 2015
Edição: 1
Páginas: 256

Tradução: Catharina Pinheiro
Original: Left For Dead: My Journey Home from Everest

Dedicatória:

Para Peach, Beck II e Meg, cuja visão me deu a força necessária para me levantar e deixar a morte para trás; Madan K. C., que nos mostrou o poder de um coração destemido; David Breashears, Ed Viesturs, Robert Schauer, Pete Athans e Todd Burleson, por terem me mantido na irmandade da corda; e em memória de Andy Harris, Doug Hansen, Rob Hall, Yasuko Namba, Scott Fischer, Ngawang Topche Sherpa, Chen Yu-Nan e Bruce Herrod — minha mais sincera solidariedade às suas famílias.

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A história de “Deixado Para Morrer” vai além de mais uma história sobre a tragédia ocorrida em Maio de 1996 no Everest contada do ponto de vista de Beck Weathers, protagonista narrador.  É narrada em primeira pessoa, pelo próprio Beck contando a versão de seu ponto de vista, mas intercalado com os depoimentos de familiares e amigos (ah, Jon Krakauer aparece aqui também). O leitor tem a sensação de que tanto Beck quanto as pessoas estão falando diante da câmera como se contassem a história ali naquele momento.

Beck é um cara normal, casado, com dois filhos e que ultimamente não tinha nenhum interesse que não fosse o alpinismo. A obsessão era incontrolável e ele passou a respirar este assunto. Ficou tão obcecado que ele treinava de segunda a sábado, até seu corpo ficar do jeito que ele entendia ser o melhor condicionamento para enfrentar o Everest, que sem dúvida alguma é uma das montanhas mais importantes do mundo. Os Sete Cumes são como as seis Majors para os maratonistas. Se você entende de corrida, você vai saber do que estou falando.

Basicamente a história se divide em três grandes temas: as viagens de Beck para as escaladas, sua relação com a esposa Peach e seus filhos Beck II e Meg e obviamente todo o processo que envolve a preparação e viagem para chegar dos Estados Unidos ao Himalaia para escalar o Everest.

Por estarmos dentro da cabeça de Beck, conseguimos entender o vazio que ele causa em sua família com a obsessão pelo alpinismo, a preparação para todas as suas viagens e ainda o livre discurso que ele delegava a si mesmo a cada vez que tinha compromissos com a montanha.

A obsessão por um esporte tão radical, o perigo iminente da morte vivenciada de perto junto com o descaso para com a própria família, são alguns sintomas graves de que você precisa de algum tipo de ajuda. Beck e sua família não entenderam isso a tempo de evitar um acidente que poderia ter tido um final trágico.

Assim como Beck, também uso o esporte para manter minha mente ocupada dos problemas, como uma válvula de escape que garantisse a exaustão em troca de não pensar em nada. Além da fuga corporal, a rota da literatura ganha proporções maiores se nos realizarmos no êxtase do cansaço. É preciso estar muito atento para não deixar que o limite entre o hobby e a fuga tornem-se o perímetro da sua psicose.

Parece que em 2015 este livro foi base para o filme homônimo, que claro, ainda não assisti. Em todo o caso, este é um bom livro, vale bastante a leitura.

Destaques:

[1] Nunca havia levado a sério quando diziam que era preciso amaciar botas novas antes de usá-las para escalar: ou elas cabiam bem desde o início ou não cabiam. Minhas botas velhas estavam com buracos que a luz atravessava. Eu não achava que suportariam outra expedição. Infelizmente, o atrito entre as botas novas e a minha pele causou feridas. Os ferimentos não se curam em altitudes elevadas, então eu sabia que só me recuperaria quando deixasse a montanha. Uma estratégia era manter os cadarços frouxos. Mas não importava o que eu fizesse: cada passo era uma agonia. No final das contas, não tive outra escolha a não ser enrolar minhas canelas com bandagens, engolir o choro e aprender a conviver com o problema. Não fazia sentido reclamar de uma coisa que eu não podia mudar.

[2] Mas é preciso ser paciente. Ao escalar muito rápido, corre-se um risco maior de ter um edema pulmonar de grande altitude, também conhecido como Hape (high altitude pulmonary edema), condição em que os pulmões ficam cheios de água e, a não ser que se desça da montanha muito rápido, há risco de morte. Mais mortal ainda é o edema cerebral de grande altitude, ou Hace (high altitude cerebral edema), que provoca o inchamento do cérebro. O Hace também pode induzir um coma fatal se a pessoa não for rapidamente transportada. Não tem como saber de antemão se alguém é suscetível a essas condições médicas. Algumas pessoas desenvolvem sintomas em altitudes de apenas três mil metros. Além disso, alpinistas veteranos que nunca tiveram nenhum problema podem desenvolver Hape ou Hace de repente. Há ainda uma ameaça muito mais comum, embora também imprevisível: a hipóxia, causada pela redução do suprimento de oxigênio transportado ao cérebro. A hipóxia leve causa euforia e deixa a vítima com um comportamento meio abobalhado. Já a severa tira toda a capacidade de julgamento e bom senso, uma complicação ameaçadora em grandes altitudes. Os alpinistas chamam essa condição de Hame: Homem Abobalhado em Montanhas Elevadas.

[3] Sou míope e passei anos escalando montanhas com óculos cobertos de gelo, lentes de contato desconfortáveis e todos os tipos de mecanismos que deveriam manter meu campo de visão claro. Nada funcionava. Assim, um ano e meio antes de ir para o monte Everest, me submeti a uma cirurgia de correção da miopia para escalar as montanhas com mais segurança. A intervenção cirúrgica adotada foi a ceratotomia radial, em que são feitas incisões minúsculas na córnea para alterar a distância focal e (ao menos é o que se espera) consertar a visão. Entretanto, o que eu não sabia — assim como quase nenhum oftalmologista no mundo — é que, em grandes altitudes, uma córnea que passou por esse tipo de alteração sofre ao mesmo tempo um achatamento e um engrossamento, reduzindo a distância focal e tornando o indivíduo temporariamente cego. Foi isso que aconteceu comigo cerca de 460 metros acima do Acampamento Avançado na madrugada de 10 de maio de 1996. A princípio, não fiquei muito preocupado. Eu já tivera pequenos problemas de alteração da visão antes, mais recentemente no Acampamento Base e quando havíamos passado pela cascata de gelo. Estava acostumado a ter dificuldade para enxergar à noite e no início das manhãs até o sol estar forte o bastante para que eu usasse óculos escuros.

[4] Depois Peach escreveria para Madan agradecendo pelo ato extraordinário de coragem ao me resgatar na montanha. Mais tarde, Madan me disse que, das centenas de vezes que ele resgatara pessoas no Himalaia, aquela fora a primeira em que recebera tantos agradecimentos. Acho que não damos o devido valor aos nossos heróis.

[5] Quanto a mim, eu não tinha nenhum padrão de comparação para o meu casamento. Eu não era infeliz, e quando Beck está bem ele é gentil, generoso e nada exigente. Ele não é nenhum autocrata. Então, naquele momento, decidi que ficaria satisfeita por ter me casado com um homem bom e trabalhador — e simplesmente esperei que ele fosse confiável. A verdade é que, se você quiser alguém intuitivo e sensível, é melhor se casar com uma mulher.

[6] A dieta de Kagge consistiria em bacon cru, o alimento que oferecia o maior ganho calórico. O bacon, pelo menos em tese, é o melhor combustível para alguém que está se movendo rápido num deserto congelado e arrastando consigo um trenó de cerca de 160 quilos. Disseram-me que o truque era comer pedacinhos de bacon a curtos intervalos. Mesmo que a pessoa quisesse, não poderia se sentar para uma boa refeição. Kagge levava o bacon em uma pochete, mastigando-o constantemente à medida que avançava. Os esquimós comem gordura de baleia, o que mantém seu organismo funcionando, o mesmo efeito que o bacon exercia em Kagge. Se você acha que perto da virada do milênio era de se esperar que alguém pudesse ter inventado algo mais palatável ou mais avançado do que porco cru para Kagge, fique sabendo que o bacon não parece tão ruim quanto hoosh, uma mistura terrível que por décadas foi a alimentação padrão dos exploradores da Antártida. De acordo com uma receita fornecida por Malcolm Browne no The New York Times, o hoosh era um cozido de carne de foca ou de pinguim misturada com banha de porco, farinha, cacau, açúcar, sal e água. Comparado a isso, o estrume congelado com papelão que comi na maioria das expedições que fiz em montanhas era um manjar dos deuses.

[7] Acredito que foi na manhã seguinte que saí da minha barraca e fiquei maravilhado ao ver três sóis idênticos no céu acima das nossas cabeças. Até então, eu não sabia nada sobre o parélio, fenômeno em que uma camada de gelo presente na atmosfera reflete uma imagem do sol em vários pontos no céu. Os sóis adicionais emprestavam a uma paisagem já surreal uma aparência ainda mais fantástica. Não pude deixar de me lembrar das cenas de abertura de Guerra nas estrelas e dos múltiplos sóis no céu do planeta de Luke Skywalker.

[8] Se tivesse sido só o alpinismo, incluindo o Everest, talvez tudo fosse diferente. Mas, se ele achasse que eu detestaria algo, ele fazia. Primeiro eram as armas, e depois a moto. Ao que parece, é uma característica de indivíduos depressivos provocar justamente as pessoas mais próximas. E ele fazia questão de esfregar isso na minha cara.

[9] Não me lembro da resposta exata que dei a Terry, mas em suma foi: “Fico muito feliz com o que você me disse, mas preciso fazer isso. Estou preparado.” Fiquei comovido com o que Terry falou. A maioria das pessoas não tem coragem de dar um passo à frente e dizer: “Abandone seu sonho. Ninguém vai culpá-lo.” Em parte, decidi ir porque queria provar algo a mim mesmo. Mas, àquela altura, eu podia igualmente decidir pular de um precipício. É possível reconsiderar a ideia no meio do caminho, mas não há como voltar atrás.

[10] Já me disseram que pessoas que estão à beira da morte podem resistir por pura determinação se ainda houver alguma coisa importante para fazerem. Acredito que isso seja verdade. Howard tinha resistido até então, e agora estava pronto para se entregar. Pudemos vê-lo ceder à exaustão. Ele fechou os olhos e ficou inconsciente. Sua respiração foi ficando cada vez mais difícil e irregular. Então, ele não estava mais lá.

[11] Howie simplesmente entendia melhor do que a maioria de nós a importância das pequenas realizações, tradições e rituais em contraposição às grandes entradas e saídas — que é a jornada, e não o destino, que importa nas nossas vidas. Parece que vamos a mais funerais do que casamentos.

 

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Milagre nos Andes: 72 Dias na Montanha e Minha Longa Volta para Casa

Autor: Nando Parrado e Vince Rause
Editora: Objetiva
Ano: 2006
Edição: 1
Páginas: 304
Tradução: Fabiano Morais

Original: Miracle in the Andes: 72 Days on the Mountain and My Long Trek Home

Dedicatória:

Para Veronique, Veronica e Cecilia. Tudo valeu a pena. Eu faria tudo de novo por vocês.

 

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[Quando era criança, tenho nas minhas memórias, o dia que minha mãe falou que ia para Brasília de avião, ficar com a minha avó que estava com câncer. Chorei muito. Não sei por que, achei, na ignorância inocente que o avião cairia com a minha mãe lá dentro e eu nunca mais a veria. Chorei até que minha cabeça explodisse e aos poucos, recompondo-me na solidão do meu quarto, envergonhada por um pensamento tão funesto, encarei que era necessário que minha mãe fosse. Outra história que tenho, é que meu avô, vindo do Japão para casar com esta mesma avó que estava com câncer, perdeu o avião por causa de uma dor de barriga e não embarcou no vôo que não chegaria ao destino. Minha avó imaginou-se viúva antes mesmo de casar. Até conseguir entrar em contato, na década de 40, deram meu avô como morto.]

Viajei para o Chile, pela primeira vez este ano, em janeiro. Foi o primeiro país da América Latina que decidi conhecer. A dimensão das Cordilheiras dos Andes, ainda que sob os atentos olhares a metros de altura dentro de um confortável avião é estonteante e ao mesmo tempo, hipnotizante.

A história do livro aconteceu de verdade: em Outubro de 1972, um grupo de jovens jogadores de rugby do time uruguaio “Los Old Christians”, juntamente com familiares, amigos e tripulação (totalizando 45 pessoas), embarcavam em Montevidéu em um avião fretado das Forças Aéreas Uruguaia no Fairchild Hiller F-227. O destino era um amistoso em Santiago, Chile, mas o avião cai no meio das Cordilheiras dos Andes.

A princípio, parece que a queda ocorreu por causa de um erro do piloto. Ele começou o procedimento de descida antes do tempo, o que levou o avião a bater nas montanhas e cair, a cerca de 70 km do destino.

Nando, o narrador deste livro, recobra a consciência três dias depois do acidente. Sua mãe, infelizmente está morta. Sua irmã mais nova, Susy, está viva, porém em condições precárias. Dos 45 passageiros, contabilizaram 29 sobreviventes, que se transformariam em 16, número de resgatados em Dezembro, 72 dias após a queda do Fairchild.

Ele descreve, com muita riqueza de detalhes, o horror ao acidente, o trauma, os sentimentos de perda (principalmente por causa de sua família e seus amigos que morreram) e claro, a imensidão das montanhas e a percepção do desalento perante a tragédia. Este esmero de prosa em primeira pessoa, pode parecer, sob um olhar mais cético, que a narrativa beira a repetição, principalmente nas partes onde ele fala da ausência da família, e da saudade do pai, que ficara em casa. Talvez a ênfase não seja proposital, talvez ela seja apenas existente e uma forma de exorcizar a falta.

Um outro ponto importante do livro é a presença de Deus na maioria dos discursos. Mesmo em um ambiente inóspito, sem nenhum sinal de vida e rodeado pela morte nos corpos enterrados, os amigos de Nando anseiam pelo perdão divino, principalmente no momento derradeiro onde a vida passa diante dos olhos.

O cotidiano no local da queda era, obviamente, precário: não havia mais comida, fogo ou qualquer tipo de entretenimento. Além das baixas temperaturas, a fome emplacava cada vez mais. Com o término da comida, eles precisaram desenterrar e cortar seus amigos para garantir a subsistência. Parte da mídia tratou isso como necessidade do processo, parte disse que era um ritual satânico macabro (principalmente estampando matérias sensacionalistas com as ossadas).

A saga começa a ter seu desfecho quando Nando Parrado e Roberto Caneda saem do local em direção ao que acreditam ser o caminho do Chile. Lá encontram ajuda e indicam a trilha para o resgate dos amigos que ficaram na neve.

A maioria dos sobreviventes atualmente, são importantes figuras da elite uruguaia. Nando, por exemplo, esboçou a vida de piloto de automobilismo (frequentando inclusive a mesma escola de Emerson Fittipaldi) e produtor de TV. Roberto Canessa é um renomado médico, por exemplo. Eles se encontram anualmente e o elo que permeia a amizade é muito maior do que quando tinham 18 anos. Carlos Paez, um dos sobreviventes, inclusive, veio ao Brasil para uma entrevista com o Jô Soares.

No ano passado, li a incrível viagem de Shackleton. A história, apesar de bastante diferente (uma expedição marítima), se assemelha a este livro por causa das provações e, por que não, tom de tragédia e humanização dos problemas em sociedade.

O que me choca, neste livro, não é a necessidade antropofágica, mas sim a obstinação, principalmente de Nando, em querer voltar para casa e não desistir. Mesmo ouvindo a comunicação do rádio que as buscas pelo avião haviam sido encerradas, eles continuaram e não se deixaram sucumbir. Há várias palestras sobre o acidente (feitas pelos próprios sobreviventes), documentários, filmes e outros livros. Agora o que me resta é incluir nos destinos de férias o Museu do Andes 1972 em Montevidéu.

Destaques:

[1] O Uruguai é um país de baixa altitude e, como a maior parte dos meus amigos no avião, meu conhecimento sobre os Andes, ou sobre qualquer tipo de montanha, limitava-se ao que eu lera nos livros. Aprendemos na escola que a cordilheira dos Andes é a mais longa cadeia de montanhas do mundo, cruzando a América do Sul desde a Venezuela, ao norte, até a ponta meridional do continente, na Terra do Fogo. Eu também sabia que os Andes são a segunda mais elevada cordilheira do planeta, em termos de altura média. Somente o Himalaia é mais alto.

[2] — Nando, quero que você se lembre que mesmo neste lugar nossas vidas têm sentido. Nosso sofrimento não é em vão. Mesmo se ficarmos presos aqui para sempre, podemos amar nossas famílias, a Deus e uns aos outros enquanto estivermos vivos. Até mesmo neste lugar nossas vidas valem a pena.

[3] — Você precisa ser forte, Numa, pela sua família. Você vai vê-los de novo. Numa se limitou a sorrir. — É engraçado — ele disse. — Acho que a maioria dos homens morre arrependida dos erros que cometeu na vida, mas eu não tenho arrependimentos. Procurei viver uma boa vida. Procurei tratar as pessoas bem. Espero que Deus leve isso em conta.

[4] Minha mente era uma tempestade de perguntas. Como deve ser congelar até a morte?, eu imaginava. É uma morte dolorosa ou tranquila? Rápida ou lenta? Parece ser um jeito tão solitário de morrer. Como se morre de exaustão? Você simplesmente cai pelo caminho? Seria horrível morrer de fome, mas eu preferiria isso a cair da montanha. Por favor, Deus, não me deixe cair. Esse era o meu maior medo — deslizar pelas encostas íngremes por centenas de metros, tentando me agarrar à neve, sabendo estar a caminho de um despenhadeiro e de uma queda inevitável até as rochas a milhares de metros abaixo. Como deveria ser cair de uma altura daquelas? Será que minha mente se desligaria para me poupar do horror ou eu permaneceria lúcido até bater no chão? Por favor, Deus, proteja-me desse tipo de morte.

[5] A montanha me ensinava uma dura lição: a camaradagem é um sentimento nobre, mas, no fim das contas, a morte é um oponente que só podemos enfrentar sozinhos.

[6] — O sol vai nascer amanhã — ele me disse —, e depois de amanhã e depois de depois de amanhã. Não deixe que aquilo se torne a coisa mais importante que aconteceu na sua vida. Olhe para a frente. Você vai ter um futuro. Você vai viver uma vida.

[7] Minha esperança é que você que está lendo este livro não custe muito a ter consciência dos tesouros que possui. Nos Andes, vivemos de batida do coração em batida do coração. Cada segundo de vida era uma dádiva que resplandecia de propósito e sentido. Venho tentando viver dessa forma desde então, e isso encheu minha vida de incontáveis bênçãos. Insisto que você faça o mesmo. Conforme dizíamos nas montanhas: “Respire. Respire mais uma vez. Enquanto estiver respirando, você está vivo.” Após todos esses anos, este ainda é o melhor conselho que posso lhe dar: Saboreie sua existência. Viva cada momento. Não desperdice uma respiração.

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Sonhos Partidos

Autor: M. O. Walsh
Editora: Intrínseca
Ano: 2015
Edição: 1
Páginas: 256
Tradução: Alexandre Martins

Original: My Sunshine Away

Dedicatória:

Para Kathy, que me chamava de Pássaro

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Um dia, eu já fui uma adolescente cheia de sonhos e expectativas. Do que ser quando crescer, como seriam meus filhos, como meus pais e minha avó reagiriam com a formação da minha família. Já pensei em muita coisa, já sofri muita coisa. Com a angústia de como decidir o melhor caminho, gastei muita energia imaginando o que faria no futuro. Acontece que o futuro chegou e eu não executei nada, absolutamente nada do que pensei um dia. Eu tive oportunidade, mas não fiz.

Em “Sonhos Partidos”, conhecemos a história de Lindy Simpson, uma adolescente de Baton Rouge (capital de Louisiana, Estados Unidos). O ano é 1989, ambientado na narrativa de um amigo de Lindy (não sabemos seu nome). Naquele verão, haviam quatro suspeitos que poderiam ter estuprado a garota mais bonita da escola, e o narrador, obviamente, era um deles.

A narrativa, contada a partir das memórias do então narrador sem nome, é cativante, em contraponto com a forte história do que se pretende contar. Ainda, a obsessão do narrador por Lindy, ao mesmo tempo doentia, platônica, ingênua e factível, nos leva a acreditar que ele não poderia figurar na lista dos suspeitos. O convencimento fluido nas palavras do narrador, típicas de um adolescente apaixonado (ou, por que não, um psicopata em processo de experiência) podem levar o leitor a digerir de outra maneira o crime que acontecera.

A construção dos personagens de Walsh, assim como a riqueza dos diálogos deixa a trama mais interessante, como se em dados momentos, amenizasse o peso do mote principal. O tio do narrador, por exemplo, é o antônimo da mãe do narrador. Ele, livre para viver o que pode ser vivido; ela, presa às memórias do casamento mal sucedido. A família do narrador merece uma atenção especial, há muitas passagens e reflexões que podemos fazer acerca.

Apesar da temática, gostei do que li. Haveria muito mais coisa para escrever, mas no momento não consigo me ater imparcial para contar aqui. Um livro completo: morte, amor não correspondido, crime e redenção.

Destaques:

[1] — Sempre dizem que se você ama algo, deve deixá-lo livre. — Eu ouvia minha mãe dizer. Ela tomava seu vinho e escutava. — Isso mesmo — dizia. — Se realmente tiver que ser…

[2] Minha irmã Rachel também mudou. Largou a faculdade e voltou para casa por um ano. E embora como família sempre tivéssemos sido católicos discretos (indo à missa nos dias santos, frequentando a escola dominical se não houvesse mais nada a fazer), minha irmã Rachel descobriu Cristo de uma forma grandiosa e permanente após a morte de Hannah. Na época isso me deixou furioso. A morte aleatória de uma pessoa inocente parecia provar a Rachel que Deus tinha um plano para todo mundo, ao passo que em mim o fato envenenava a própria ideia de que existisse um Deus. Então eu a hostilizava arrumando brigas por causa de todas as evidentes hipocrisias religiosas: tal como um Deus cristão podia condenar as pessoas ao inferno por causa de onde elas cresciam, como podia lançar doenças e guerras sobre aqueles que não haviam pecado contra ele etc. Embora estivesse principalmente querendo apenas atormentá-la, embora estivesse principalmente apenas com inveja do modo como a via dar as mãos à minha mãe para rezar à mesa do jantar, acredito que também estava vacilando à beira de uma verdadeira perda de fé naqueles anos, como muitos adolescentes, e isso me assustava.

[3] — O amor é igual para todo mundo? — repeti. — Isso é deprimente. Ele pensou por um tempo. — Acho que você pode ter me entendido mal. Vamos colocar assim: você está apaixonado por uma garota agora? Eu sorri, ou talvez tenha feito uma careta, e isso me denunciou. — Certo. O que estou dizendo é o seguinte: essa garota de que você gosta agora, você sempre vai amá-la. De uma forma ou de outra. Ela ou alguém como ela. O amor nunca muda. Você pode ter cinquenta anos e se ver fazendo as coisas mais loucas por uma mulher que você acha que não tem nada a ver com aquela primeira, mas tem. Sempre haverá alguma ligação, garanto. O amor nunca muda. Então o segredo é escolher um bom para começar. Se fizer isso, então não tem nada de deprimente.

 
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Os 13 Por Quês

Autor: Jay Asher
Editora: Editora Ática
Ano: 2009
Edição: 1
Páginas: 256
Tradução: Alice Rocha

Original: 13 Reasons Why

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Gosto da temática. Tenho sangue japonês, não posso negar as raízes. Terminei de ler este livro em meados de Abril, mas só agora sentei para escrever.

Confesso que havia pego este livro para ler no início do ano (por causa da temática e da capa, confesso também), mas havia outros livros na frente e acabei deixando para trás. Não imaginava o boom que este assunto causaria, principalmente com a popularização da visão do seriado que foi baseado na obra, produzida pelo Netflix (Selena Gomez está de parabéns). Este assunto movimentou as redes sociais, e não é para menos.

Conhecemos Hannah, uma adolescente normal, que muda de escola e vira assunto repentino. As coisas saem do controle quando ela começa a sofrer bullying na escola, por causa de uma lista das “melhores bundas da escola”, mas o grande estopim é desencadeado a partir de um acontecimento que Hannah presencia. Hannah deixa postumamente, 7 fitas cassete, com 13 nomes dos colegas e histórias que, seguindo sua ótica, explicam os motivos do suicídio de Hannah. São estas histórias que permeiam a trama e fazem o leitor entrar na narrativa, e mergulhar, ainda que sutilmente, nos pensamentos (até aqui apenas deprimidos, sem flashes suicidas).

A série, por motivos óbvios, é mais completa e densa (principalmente na forma como aborda, de forma explícita, a maneira como você pode se cortar), pois a produção precisou rechear os 13 capítulos com subtramas que não existiam no livro. Há quem diga que a cena final de Hannah é perturbadora (particularmente, ainda não vi).Estive refletindo durante esse tempo todo sobre como a vida é muito curta. Isso é ao mesmo tempo um paradoxo, porque a que a sexta-feira sempre demora a chegar, eu também penso. Mas, falando sério agora, eu sempre me pego pensando em como eu teria feito as coisas diferentes se eu tivesse uma segunda chance de refazê-las. Por que suicídio ainda é um tabu? Por que você não tem direito de fazer o que bem quiser com a sua vida?

A minha geração foi marcada por um suicídio, que, pelo menos para mim, foi muito significativo: em 1994, morria aos 27 anos, Kurt Cobain, para sempre o eterno líder da melhor banda grunge de todos os tempos. Os anos nos quais passei na UERJ também foram marcados pelos constantes suicídios. Pessoas aleatórias (não necessariamente do corpo discente) se dirigiam ao último andar da Universidade e se jogavam. Que morte libertadora deve ser você voar, até cair, já sem sentidos, no solo duro da realidade, a qual deixou para trás.

Há rumores que haverá uma segunda temporada no Netflix. Vou tentar assistir a primeira.

Destaque:
[1] Para me divertir, preenchi meu teste como se eu fosse Holden Caulfield, de O apanhador no campo de centeio , que era leitura obrigatória daquele semestre e foi a primeira pessoa que me veio a cabeça.
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Sejamos Todos Feministas

Autor: Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2015
Edição: 1
Páginas: 64
Tradução: Cristina Baum
Original: We Should All Be Feminists

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Nunca fui feminista. Nem quando me dei conta, ainda criança, que ser mulher é sinônimo de, em muitos lugares, ter capacitação inferior. Em verdade, sempre acho que o homem pode pagar a conta toda, que pode abrir a porta do carro e que pode carregar as malas pesadas em uma viagem de lua de mel. Homem tem testosterona, é mais evoluído fisicamente. Não sangra todo mês e pode fazer xixi em qualquer lugar. Claro, eu não acho que por causa disso ele precise ganhar mais, mesmo tendo o mesmo cargo que eu. Ao mesmo tempo, não acho que uma mulher precise de um homem para ser feliz ou para ser sustentada. Tenho cá minhas convicções, ou se você quiser pensar, posso ser apenas um pouco romântica.

De uns tempos para cá, a expressão “empoderamento feminino” tem ganhado cada vez mais força. É esquisito, em pleno ano de 2017, precisar ler que as mulheres têm ganhado cada vez mais espaço no mundo dos homens. Tão estranho quanto ouvir outras atrocidades acerca de negros, asiáticos, latinos, gays e deficientes. Enfim, o mundo é assim. Não precisa ser, mas é.

Chimamanda escreve com leveza e um sutil tom de desabafo e fé sobre a supressão feminina. O livro é verdadeiro e ela usa suas próprias reflexões para contar como a desigualdade de gênero afeta sua vida.

Este livro é uma adaptação da palestra da autora no TEDx Euston de 2002.

Viva Chimamanda!

Destaque:

[1] Homens e mulheres são diferentes. Temos hormônios em quantidades diferentes, órgãos sexuais diferentes e atributos biológicos diferentes — as mulheres podem ter filhos, os homens não. Os homens têm mais testosterona e em geral são fisicamente mais fortes do que as mulheres. Existem mais mulheres do que homens no mundo — 52% da população mundial é feminina, mas os cargos de poder e prestígio são ocupados pelos homens. A já falecida nigeriana Wangari Maathai, ganhadora do prêmio Nobel da paz, se expressou muito bem e em poucas palavras, quando disse que quanto mais perto do topo chegamos, menos mulheres encontramos.

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Cadê Você, Bernadette?

Autor: Maria Semple
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2013
Edição: 1
Páginas: 376
Tradução: André Czarnobai

Original: Where’d you go, Bernadette?

Dedicatória:
Para Poppy Meyer 
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Em 2014-2015, este livro tornou-se febre entre os BookTubers aqui no Brasil. Nunca tive a intenção de ler (talvez porque a capa não tenha me agradado – sim, sou dessas), mas acabei rendendo-me ao best seller neste Carnaval.

Bernadette Fox, é, na Los Angeles do final dos anos oitenta e início dos noventa, uma jovem arquiteta bastante promissora que recebe uma bolsa MacArthur. No início da história, conhecemos a atual Bernadette, já em Seattle, mãe de Bee, casada com Elgin (que trabalha na Microsoft) e uma excêntrica dona de casa de meia idade.

O livro é quase todo narrado por Bee, mas mistura depoimentos, e-mails e outros documentos (inclusive do inimaginável FBI) que ajudam o leitor a entender, ainda que de forma bastante confusa, o que aconteceu com Bernadette.

Como forma de recompensa por suas excelentes notas na escola, Bee escolhe uma viagem com seus pais à Antártida (sim, ela também leu Shackleton) nas férias. O problema todo é que Bernadette começa a ter crises acerca da logística e do prévio enjoo que a passagem entre os icebergs e tormentas poderá causar a ela. A partir de um dado acontecimento, Bernadette some, e é aí que Bee começa a saga em busca do paradeiro de sua mãe, dando jus ao título à história.

O desenrolar da trama é interessante, e um pouco surpreendente.

Um livro que foge da linearidade temporal ordinária, com uma narrativa fluida e, por que não, viciante, “Cadê você Bernadette?” mescla comédia com um tom de crítica às grandes corporações, como no caso da Microsoft. Elgin trabalha até tarde todos os dias (precisa entregar seu projeto a todo custo, tendo ele serventia ou não para a humanidade), sua equipe sofre com boatos de demissão em massa, dentre outros comportamentos que só quem trabalha em uma grande empresa conhece.

Lendo mais sobre a autora, descobri que ela foi roteirista de alguns episódios de Mad About You, que é um dos meus seriados preferidos (mesmo se passando em Nova Iorque). Esta obra terá adaptação cinematográfica.

Destaques:

[1] Por exemplo, você sabia que a diferença entre a Antártida e o Ártico é que a Antártida possui solo e o Ártico é apenas gelo? Eu sabia que a Antártida era um continente, mas achava que também havia terra lá no norte. Aliás, você sabia que não há ursos-polares na Antártida? Eu não sabia! Eu pensei que nós veríamos do nosso navio os pobres ursos-polares tentando saltar de um iceberg em derretimento pro outro, mas para 44 presenciar esse triste espetáculo é preciso ir até o polo Norte. São os pinguins que habitam o polo Sul. Então, se você tinha uma imagem idílica de ursos-polares brincando com pinguins, pode ir perdendo suas ilusões, porque ursos-polares e pinguins estão, literalmente, em lados opostos da Terra. Acho que eu preciso sair de casa um pouco mais.

[2] PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: Você trabalha na Microsoft? EU: Ah, não, é o meu marido quem trabalha lá. (Já prevendo sua próxima pergunta.) No setor de robótica. PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: Eu também trabalho na Microsoft. EU: (Fingindo interesse, já que, na verdade, estou pouco me fodendo, mas puxa, como esse cara fala.) Ah, é? O que você faz? PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: Eu trabalho no Messenger. EU: O que é isso? PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: Sabe o Windows Live? EU: Hummm… PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: Sabe a capa do site da MSN? EU: Mais ou menos… PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: (Perdendo a paciência.) Quando você liga seu computador, o que aparece? EU: O site do New York Times. PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: Bem, é que tem uma página inicial do Windows que deveria aparecer. EU: Você está falando daquela coisa que vem instalada quando você compra um PC? Perdão, eu tenho um Mac. PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: (Começa a ficar na defensiva, porque todo mundo é louco pra ter um iPhone, mas existem rumores de que se Balmer vir você com um, você será demitido. Muito embora isso 157 ainda não tenha se provado verdadeiro, também nunca se provou falso.) Estou falando do Windows Live. É a home page mais visitada do mundo. EU: Acredito em você. PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: Que mecanismo de busca você usa? EU: Google. PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: O Bing é melhor. EU: Ninguém disse o contrário. PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: Se alguma vez na sua vida você acessou o Hotmail, Windows Live, Bing ou MSN, você deve ter visto uma aba no topo da página que diz “Messenger”. É nisso que eu trabalho. EU: Legal. O que você faz no Messenger? PAPAI QUE CURTE O AR LIVRE: Minha equipe está trabalhando numa interface para o usuário baseada em C Sharp e HTML5… E a partir daí meio que não dá mais pra entender, porque sempre existe um ponto em toda conversa desse tipo que simplesmente não tem como simplificar, por mais inteligente que você seja.

[3] Hoje no almoço, um físico vencedor do Nobel estava falando sobre “universos paralelos”. Não estou falando da hora da saída da Galer Street, com todos aqueles pais e suas jaquetas da North Face. É um conceito da física quântica que diz que tudo que pode acontecer está acontecendo em um infinito número de universos paralelos. Merda, não vou conseguir explicar agora. Mas estou dizendo, por um breve momento, no almoço, consegui entender. E, como tudo na minha vida, estava em minhas mãos e depois perdi.)

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O Que Eu Sei de Verdade

Autor: Oprah Winfrey
Editora: Sextante
Ano: 2014
Edição: 1
Páginas: 196
Tradução: Fabiano Morais
Original: What I Know For Sure

 

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Há mais ou menos uma década e meia atrás, assistia quase todos os dias o programa da Oprah na TV (The Oprah Winfrey Show), que para mim, é uma das maiores personalidades estadunidenses da atualidade. Ela ficou com seu talk show por 25 anos no ar.

O livro apresenta algumas reflexões sobre amor, gratidão, alegria e perseverança. Todos os capítulos são recheados de histórias com mensagens positivas, e principalmente, o retorno do Universo nas suas ações. Ah, e sim, ela é uma das entusiastas do fenômeno literário “O Segredo”. Fala também sobre a infância pobre e rígida da apresentadora e da gravidez na adolescência.

É curioso perceber, no reflexo dos olhos do outro, que a vida é muito mais do que sucesso profissional, orgias alcóolicas e ostentações facebookianas. A vida é sim mais que isso. Chegando agora aos meus 34 anos, percebo cada vez mais um desejo latente de ter (ainda mais) uma vida minimalista, um temperamento (ainda menos) ácido e, por que não, ligar o botão do famoso “F” de vez em quando. Às vezes (mas só às vezes), importar-se menos com o outro é saber viver.

Além disso, há várias referências literárias (principalmente de poemas) porque a Oprah lê bastante (isso é evidenciado pelo Clube do Livro, um compromisso mensal, onde ela indicava um livro em seu programa). Cabe aqui abrir um parênteses: sempre tive vontade de participar de um clube de leituras. Recentemente meu professor e amigo João Araújo, me chamou para um, mas sendo na Zona Sul, me desanimou um pouco por causa da distância. Há um outro também, da amiga da Aline no Recreio, que me interessou, mas também não fui atrás para ver. Talvez este ano, as coisas melhorem e eu consiga, finalmente, ingressar em um para conhecer pessoas que lêem os mesmos livros que eu e comecem os debates com visões diferentes – coisa que sinto falta, desde o término do ensino médio, quando eu terminava de ler (ainda que por obrigação) e conversava, horas a fio, sobre a leitura com meus colegas da escola.

Este livro eu peguei emprestado em um BookTruck da empresa onde trabalho, que, graças a Deus, incentiva o hábito da leitura nos seus funcionários.

Destaques:
[1] O que eu sei de verdade é que o prazer é uma troca de energia: você recebe de volta o que dá. O seu nível de prazer é determinado pela maneira como você enxerga a sua vida.

[2] Uma vez vi um cartaz que chamou minha atenção. Dizia: “Aquele que morre com mais brinquedos que os outros está morrendo do mesmo jeito.” Qualquer um que já tenha estado perto da morte poderá lhe dizer que, no fim da vida, você provavelmente não ficará pensando nas horas extras que fez no trabalho, ou em quanto você possui no seu fundo de investimento. O que estará na sua cabeça serão perguntas do tipo “o que teria acontecido se…”, como Que tipo de pessoa eu teria me tornado se enfim tivesse me dedicado às coisas que sempre quis fazer?.

[3] Enquanto você não estiver comprometido com algo, irá hesitar, querer desistir, e será sempre ineficaz. Em todos os gestos de iniciativa (e criação) reside uma verdade elementar, que quando ignorada interrompe inúmeros planos e ideias magníficos: no momento em que você se compromete definitivamente com algo, a Providência também entra em ação. Diversas coisas acontecem para ajudá-lo, coisas que jamais teriam ocorrido de outra forma. Toda uma sequência de eventos inicia-se a partir dessa decisão, e você se vê beneficiado por todo tipo de incidentes inesperados, encontros e auxílio material com os quais nenhum homem sequer ousaria sonhar. Aprendi a ter um profundo respeito pelos seguintes versos de Goethe: “Se você pode fazer algo, ou sonha que pode, comece a fazê-lo. / A ousaria traz inspiração, força e magia consigo.”

Decida-se e veja a sua vida progredir.

[4] Veja o que acontece em sua vida quando você passa mais tempo com seus filhos. Livre-se da raiva que sente do seu chefe ou colega de trabalho e veja o que recebe de volta. Seja amoroso consigo mesmo e com as outras pessoas e veja como o amor se torna recíproco. Essa é uma regra que não possui exceções, quer você esteja consciente disso ou não. Ela se aplica às coisas pequenas, às grandes e também às maiores ainda.

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