Editora: Record
Ano: 2015
Edição: 1
Original: Presos Que Menstruam
Dedicatória:
A meus pais, que me deram olhos para ver os outros. E a João, que me ensina, todos os dias, como usá-los.

Antes de mais nada, preciso respirar. Um livro forte. Várias entrevistas (em forma de micro contos) apresentam uma parte da realidade do sistema carcerário feminino no Brasil. Foi um livro que comecei a ler e praticamente não interrompi sua leitura até terminá-lo. A história é muito envolvente e abduziu-me até sua conclusão.
Você pode estar se perguntando por que eu teria um mínimo de simpatia para com presas, que estão onde estão por conta dos crimes que cometeram. Decerto. Eu poderia alegar, em minha defesa, que nem todas estão ali por crimes bárbaros. E aí você vai me dizer que não existe essa diferenciação, que crime é crime. Eu sei, eu sei. Mas (ainda) não consigo explicar o nível de compaixão que esse livro encadeou em mim. Sei que, sob pressão e carregadas de motivos pessoais e inquestionáveis, as histórias contadas neste livro são, em sua maioria, de legítimo amor.
Casos famosos como o de Suzane Von Richthofen, acusada de planejar o assassinato dos pais com os irmãos Cravinho em 2002 e Anna Carolina Jatobá, acusada de matar a pequena enteada Isabela Nardoni em 2008 são citados também no livro. Um fato curioso que me chamou a atenção é que Nana relata que Suzane exala simpatia e pró-atividade no presídio; as presas a adoram.
É um livro para ser lido despido de qualquer preconceito e pré-julgamentos. Leia.
Nana também é autora da campanha “Eu não mereço ser estuprada”. Descobri, no Facebook, uma campanha para arrecadar absorventes para as presidiárias:
Trechos:
[1] “Eu não sei o que Joe sente por mim, mas não é amor. Quando a gente ama, a gente deixa ir. A gente não vê tanta gente assim? A pessoa ama e vai embora, tem pessoas que se submetem a ficar como estepe até, só a hora que a pessoa quer. Mas ele, em vez disso, me ameaçou.”
[2] Segundo o Ministério da Justiça, entre 2007 e 2012, a criminalidade cresceu 42% entre as mulheres — ritmo superior ao masculino. Uma tese em voga entre ativistas da área é a de que a emancipação da mulher como chefe da casa, sem a equiparação de seus salários com os masculinos, tem aumentado a pressão financeira sobre elas e levado mais mulheres ao crime no decorrer dos anos. Dados comprovam a teoria. Os delitos mais comuns entre mulheres são aqueles que podem funcionar como complemento de renda. Como mostram Ieda e Marta, tráfico de entorpecentes lidera o ranking de crimes femininos todos os anos no Censo Penitenciário. Os próximos da lista, e para os quais vale o mesmo raciocínio, são os crimes contra o patrimônio, como furtos e assaltos. Os crimes cometidos por mulheres são, sim, menos violentos; mas é mais violenta a realidade que as leva até eles.
[3] Só em 28 de maio de 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.942, que assegurava às presidiárias o direito de um período de amamentação de no mínimo seis meses e cuidados médicos aos bebês e a elas. A lei não foi, no entanto, acompanhada de meios para seu cumprimento. Existem apenas cerca de sessenta berçários e creches em todo o sistema carcerário feminino brasileiro.
[4] Como ela, afirma a Pastoral Carcerária, 58% das mulheres presas que trabalham enviam dinheiro para a família; entre os homens, o número é de 27%. Vale ressaltar que o dinheiro ganho pelas detentas deve servir, em parte, para indenizar as vítimas de seus crimes, outra parcela é destinada a seus pequenos gastos pessoais, eventualmente, um tanto é pago ao Estado como compensação pelo gasto público que são e, se algo sobrar, é guardado num tipo de poupança chamada de pecúlio, a que a detenta terá direito quando sair livre.
[5] A Penitenciária Feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier, popularmente chamada de Penitenciária do Tremembé, é conhecida por abrigar presas famosas. Estão ali aquelas mulheres cujos delitos são abomináveis até mesmo para o mundo do crime. São infanticidas, como Jatobá, e parricidas, como Suzane, que, se misturadas com presas comuns, seriam provavelmente linchadas até a morte. São presas que fizeram manchetes, que chocaram multidões. Sobressaem-se, principalmente, entre as mulheres, para quem os crimes violentos são incomuns. Em 2000, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil do Estado de São Paulo salientou que, dos 5 mil homicídios cometidos na capital, só um foi de autoria feminina. As detentas cruéis são, mesmo na cadeia, mulheres-tabu.
[6] Percebendo que eu estou admirada com a fascinação que Suzane gera em todos ao redor, uma das presentes se aproxima e diz ao meu ouvido, como quem quer oferecer uma explicação: — Sabe, ela é tão perfeita que isso só pode fazer parte da psicopatia dela. Ninguém normal é perfeito desse jeito.