Vermelho Amargo
Autor: Bartolomeu Campos de Queirós
Editora: Cosac Naify
Ano: 2011
Edição: 4 impressão, 2013
Páginas: 72
Prosa poética é meu estilo literário favorito desde a adolescência. Aliado ao meu assunto também favorito (a ausência) é como juntar Nutella com sorvete.
Depois de perder a mãe em uma manhã fria de Maio, o narrador, um menino de poucos anos (talvez sete), passa a conviver com a lembrança que ela deixou. Tudo remete a ela. Por ser reconhecidamente de cunho autobiográfico, Bartolomeu Campos de Queirós revisita a memória de sua infância e preenche as (poucas) 65 páginas de lirismo, melancolia, partidas e sentimentos.
Acompanhamos o cotidiano e a partida de cada um dos cinco irmãos do narrador. A narrativa é tão sutil, tão metafórica que fica difícil até perceber o que precisamos entender. Nenhum dos personagens revelam seus nomes.
Para o lugar da mãe, o pai alcoólatra traz a madrasta. O antagonismo Mãe x Madrasta apresenta-se dilacerante e ao mesmo tempo discreto. Simples ações como fatiar o tomate tonificam as discrepâncias entre as duas. Cada palavra parece ter sido escolhida a dedo, cada sonoridade, cada singularidade dos adjetivos propostos ajudam a compor o grande mosaico de solidão e dor e a capacidade de amar do narrador. O tomate, elemento sempre presente no cotidiano da família representa o vermelho amargo da ausência da mãe.
Apesar de o amor estar presente em quase todas as páginas, o livro, sobretudo é sobre morte, ausência e perda, como descrito em: “Exige-se longo tempo e paciência para enterrar uma ausência. Aquele que se foi ocupa todos os vazios. Como água, também a ausência não permite o vácuo. Ela se instala mesmo entre as pausas das palavras. Na morte, a ausência ganha mais presença. É substantivo e concreto tudo aquilo que permanece. Daí, os mortos passarem entre nós. Jamais imaginei seu espírito transfigurado em fruto.”
A carga emocional do narrador, consciente de si e repleta de pessimismo complementa o ar de melancolia e saudade: “Aturdido. Eis uma palavra muda traçando fronteira com a loucura. Só hoje descubro esta sonoridade surda morando em mim, ainda menino. Aturdido pelo medo de, no futuro, não ganhar corpo, e não suportar o peso das caixas de manteiga. Aturdido por ter as carnes atrofiadas sobre os ossos. Aturdido por ter a alma como carga, e suportá-la para viver o eterno que existia depois de mim. Aturdido por ser mortal abrigando o imortal. Aturdido pelo receio de descumprir as promessas deixadas aos pés dos santos. Aturdido pela desconfiança de a vida ser uma definitiva mentira. Aturdido por vislumbrar o vago mundo como fantasia de Deus, em momento de ócio.”
O projeto gráfico do livro merece destaque. A capa é vermelha, as extremidades das páginas e a fonte usada, também vermelhas, complementando um diálogo central com o tema e os tomates.
Destaques:
[1] “A mãe partiu cedo – manhã seca e fria de maio – sem levar o amor que diziam eu “ter por ela. Daí, veio me sobrar amor e sem ter a quem amar. Nas manhãs de maio o ar é frio e seco, assim como retruca o coração nos abandonos. Ela viajou indignada, por não ser consultada. “
[2] “Sobre os dias, a ausência da mãe ganhava corpo. O tempo – capaz de trocar a roupa do mundo – não consumia sua lembrança. Quando se ama, em cada dia o morto nasce mais. Em tudo, sua ausência estava presente. “
[3] “Coração do outro é uma terra que ninguém pisa. Minha mãe repetia essa oração quando recebia a visita de muda melancolia. Meu coração estava pisado pelo amor, e só eu sabia. Era um caminhar manso como pata de gato traiçoeiro. Fugia com meu amor para todas as penumbras. Seis minutos eram suficientes para a saudade me transbordar. Fui, desde pequeno, contra matar a saudade. Saudade é sentimento que a gente cultiva com o regador para preservar o cheiro de terra encharcada. É bom deixa-la florescer, vê-la brotar como cachos de tomates, desde que permaneçam verdes e longe de faca afiada. Nada mais tem açúcar que um tomate verde.”