O Céu dos Suicidas
Autor: Ricardo Lísias
Editora: Alfaguara
Ano: 2013
Edição: 1
Páginas: 192
Meu segundo livro do Ricardo Lísias. Após Divórcio, fiquei com vontade de ler mais este escritor.
Mesmo sendo minha segunda imersão à ficção de Lísias, preciso confessar que ainda não me acostumei com seu estilo de narrativa, tão próprio, confidencial e por que não, agoniante. Tal como acontece em Divórcio, o protagonista também se chama Ricardo Lísias (sim, como o próprio autor), e também sofre um abalo, quase sísmico, que é a perda. Se em Divórcio ele via seu casamento ir à deriva e perdia a esposa, que preferiu trocar de marido, em O Céu dos Suicidas ele perde André, seu grande amigo, que decide se matar. Cabe dizer aqui que esta história foi baseada em um acontecimento real da vida do escritor, que também perdeu um amigo em 2008, também chamado André, que se suicidou.
Ricardo Lísias, o narrador, sofre de ansiedade, insônia, angústia, nostalgia e uma leve síndrome de Tourette. Estes sintomas se agravam mais à medida que a história avança. Reparei isso em Divórcio também. Tenho uma percepção quase cíclica que gera este tipo de sentimento.
O narrador tinha uma vasta coleção de selos e tampinhas de garrafas. Quando criança, eu tinha uma coleção quase imensurável de calendários. Guardava-os num álbum, protegido por folhas de plástico e abstraídos por temas: animais, pessoas, paisagens, plantas. Ganhei a maioria da minha finada tia avó, Isa Ishihara. Aliás, foi por causa dela que comecei a coleção. Naquela época, no começo da década de 90, nunca conheci outra pessoa que fizesse este tipo de coleção. Lembro até que cheguei a me inscrever em alguns desses clubinhos de troca por correspondência, mas nunca obtive uma resposta. Talvez hoje com a Internet fosse mais fácil se, tal como Ricardo, eu já não tivesse descartado toda minha coleção e tenha sobrado apenas a experiência de colecionadora.
O livro possui um fluxo de memória onde as lembranças conectam-se por relações (quase) despóticas. Talvez o leitor sinta-se como se estivesse assistindo a uma exposição de fotos de um pequeno arquivo de lembranças, impressão que decorre da métrica rígida e bela estética onde cada pedaço de memória ocupa uma página e meia e depois afunda num lacônico silêncio. A grande sacada do livro, em minha opinião, ocorre na construção da relação entre a história e a coleção das lembranças e arrependimentos. Em uma análise mais simplista, o livro é uma coleção: uma coleção de memórias e, por conseguinte, uma coleção de ausências, melancolia e silêncios, como em “sinto saudades de tudo e isso me irrita”. Talvez por isso Ricardo grite e (xingue) tanto. Isto ficou bem claro em: “Desde que tudo isso começou, tenho percebido que sentir saudades significa, em alguma parcela, arrepender-se. Sentir saudades de tudo não é exatamente saudosismo. Esse último gera aquele desejo ridículo de ficar relembrando todo tipo de coisa. A reconstrução sempre vem acompanhada de um sorriso frágil. No meu caso, sentir saudades de tudo é ter vontade de refazer qualquer coisa que retorne à minha cabeça.”
A questão do suicídio é apresentada de forma latente, mas leve. O ponto espiritual desta problemática é mostrado com promessas de punição eterna aos que abdicam da própria vida. Talvez seja meu ponto preferido, a busca de Ricardo pelo destino da alma pós-suicídio. Quase todas as religiões, até onde sei, condenam veementemente esta prática. Não há consolo nem clemência perante os olhos de Deus, Buda, Alá, ou qualquer outro Deus. Ao procurar ajuda, Ricardo fala: “Um dos nossos amigos, um cara muito espiritual, acho que a palavra é essa, espiritual, disse que em todas as religiões, ou praticamente em todas, os suicidas sofrem muito e na maior parte das vezes não vão para o céu”. Por meio deste embate célico, o jogo de palavras em relação ao título do livro, “O Céu dos Suicidas”, é apenas simbólico, uma vez que atingir o céu talvez nunca seja possível para os suicidas.
Destaque:
[1] “Quando voltou para casa, a menina finalmente teve coragem de dizer para os pais tudo o que segurava desde os quinze anos: a avó poderia sim morar com eles, se precisasse ela tomaria conta todos os dias, eles a tinham abandonado e iam uma vez por mês fazer uma visita por causa da culpa. E quando ouviu que os pais pagavam uma casa de repouso cara, casa de repouso merda nenhuma, e se vocês querem saber mais, vou dizer: você e a mamãe, no dia que vocês dois precisarem de mim, eu e o meu noivo já combinamos que vamos cuidar de vocês até o último dia, vocês não vão para o hospício chique não, não tenham medo, desgraçados.”
Esse estilo dele, tão próprio, tb me chamou a atenção em o divórcio. Well, esse vai para a wishlist.