Amor
Autor: Isabel Allende
Editora: Bertrand Brasil
Ano: 2012
Edição: 1
Páginas: 240
Tradução: Joana Angélica d’Ávila Melo
Original: Amor
De uns tempos para cá, desde que a balança começou a jogar contra, comecei a presentear-me com livros, ao invés de chocolate na Páscoa. Infelizmente a partir de então, o gosto do doce fica apenas na lembrança enquanto a gente só alimenta a alma.
Nunca havia lido Isabel Allende, apesar de sempre ter tido vontade. A oportunidade surgiu quando estávamos na livraria procurando uma revista de dieta (sempre ela). Sabe quando o livro te chama? Pois é, Amor, me chamou. “Carolina, leve-me para casa”. Foi tipo amor à primeira vista.
Primeiramente, achei a capa bem bonita. Em segundo lugar, ela é daquele tipo macia (não sei o nome técnico dessa textura); desejo vida longa ao cidadão que inventou isso. E em terceiro lugar, na capa está escrito “Amor e desejo segundo Isabel Allende: suas melhores páginas”. Todo mundo precisa de amor, não é? Isto me convenceu a retirá-lo da prateleira.
Trata-se de uma seleção de trechos de alguns livros da autora. Isabel nos conta que a ideia da coletânea partiu de seu editor e ela gostou tanto que escreveu entusiasmada e escolheu ela mesma os textos selecionados para compor a coletânea. Os capítulos são agrupados seguindo sempre a temática (alguns pessimistas diriam problemática) do amor, como o primeiro amor, ciúme, paixão, etc.
Abrindo cada capítulo, ou melhor, cada “categoria de amor”, há uma ilustração acompanhada de uma breve introdução e justificativa da autora pela escolha, conferindo um tom mais realista às ficções do livro.
Gostei da coletânea e de Isabel Allende, mesmo tratando-se de trechos. Sobretudo, gostei de todas as 238 páginas que narraram o amor. Leia apenas se você quiser ler sobre o amor em (quase) todas as suas formas.
Destaques:
[1] “Quem esticou a mão tão cedo? Quem buscou os lábios do outro para o beijo? Certamente fui eu. Assim que pude usar a voz para romper o silêncio carregado de intenções em que nos olhávamos, lhe anunciei sem preâmbulos que o estava aguardando desde muito tempo, porque o havia visto em sonhos e nas contas e conchas de adivinhar, que estava disposta a amá-lo para sempre e outras promessas, sem ocultar nada e sem pudor. Pedro retrocedeu, rígido, pálido, até dar com as costas na parede. Que mulher sensata fala assim a um desconhecido? No entanto, ele não pensou que eu tivesse perdido o juízo ou que fosse uma puta de Cuzco, porque ele também sentia nos ossos e nas cavernas da alma a certeza de que havíamos nascido para nos amar. Exalou um suspiro, quase um soluço, e murmurou com a voz quebrada: “Também sempre esperei por você”, parece que me disse. Ou talvez não tenha dito. Suponho que no transcurso da vida embelezamos algumas lembranças e procuramos esquecer outras. Do que estou certa é que nessa mesma noite nos amamos e desde o primeiro abraço nos consumiu o mesmo ardor.”
[2] “Suportei sua conduta errática com mais paciência do que a recomendável porque tinha o pensamento ofuscado e o corpo em brasas, como me acontece sempre com o amor. Juan me fazia rir, me divertia com canções e versos picarescos, me abrandava com beijos. Bastava ele me tocar para transformar meu choro em suspiros e minha zanga em desejo. Que complacente é o amor, que a tudo perdoa!”
[3] “Juliana havia precisado de todas as suas forças para enfrentar aquele homem e agora o seu gesto a desarmava completamente. Não estava certa do significado daquilo, mas o instinto a advertia que o sentimento que a transtornava era plenamente correspondido por Laffite: o presente era uma declaração de amor. O corsário a viu vacilar e, sem pensar, tomou-a nos braços e a beijou na boca. Foi o primeiro beijo de amor de Juliana, e certamente o mais longo e intenso que haveria de receber na vida. De qualquer forma, foi o mais memorável, como sempre acontece com o primeiro. A proximidade do pirata, seus braços envolvendo-a, seu hálito, seu calor, seu perfume viril e sua língua dentro da boca da moça balançaram-na até os ossos. Ela havia se preparado para aquele momento com centenas de romances de amor, com anos imaginando o galã predestinado para ela. Desejava Laffite com paixão recém-estreada, mas com uma certeza antiga e absoluta. Jamais amaria outro, aquele amor proibido seria o único que ela teria neste mundo. Aferrou-se a ele, segurando-o pela camisa com as duas mãos, e devolveu-lhe o beijo com a mesma intensidade, enquanto se dilacerava por dentro, pois sabia que aquela carícia era uma despedida. Quando finalmente conseguiram se separar, ela se reclinou no peito do pirata, zonza, tentando recuperar a respiração e o ritmo do coração, enquanto ele repetia o seu nome, Juliana, Juliana, num longo sussurro.
– Tenho de ir – disse ela, desprendendo-se.
– Eu amo você com toda a minha alma, Juliana, mas também amo Catherine. Nunca a abandonarei. Você pode compreender isso?
– Sim, Jean. Minha desgraça foi ter-me apaixonado por você e saber que nunca poderemos ficar juntos. Mas eu te amo mais ainda por sua fidelidade a Catherine. Deus queira que ela se recupere logo e que vocês sejam felizes… “
[4] “(…) Finalmente adormeceram num novelo de pernas e braços. Nos dias que se seguiram descobriram que se divertiam juntos, ambos dormiam para o mesmo lado, nenhum dos dois fumava, gostavam dos mesmos livros, filmes e comidas, votavam no mesmo partido, detestavam esportes e viajavam regularmente para lugares exóticos.
– Não sei se sirvo para marido, Tamar – desculpou-se Leo Galupi, uma tarde numa trattoria da Via Venetto. – Preciso mover-me em liberdade, sou um vagabundo.
– É isso que gosto em você, eu também o sou. Mas estamos numa idade em que não nos faria mal um pouco de tranquilidade.
– A ideia me dá medo.
– O amor nasce com o tempo… Não tem que me responder já, podemos esperar até amanhã – riu ela.
– Não é nada pessoal; se alguma vez decidir casar-me, só o farei com você, prometo.
– O que já é alguma coisa.
– Não é melhor sermos amantes?
– Não é a mesma coisa. Já não tenho idade para experiências. Quero um compromisso a longo prazo, dormir de noite abraçada a um companheiro permanente. Acha que teria atravessado meio mundo para lhe propor sermos amantes? Seria agradável envelhecer de mãos dadas, vai ver – respondeu Cármen, categórica.
– Que horror! – exclamou Galupi, francamente pálido.”