Menino de Ouro
Autor: Abigail Tarttelin
Editora: Globo Livros
Ano: 2013
Edição: 1
Páginas: 384
Tradução: Cecilia Giannetti
Original: Golden Boy
Quando criança, lembro de uma novela da Rede Globo que retratava uma hermafrodita chamada Buba. Na época, em 1993, a situação chocou muita gente, por tratar-se de um tema tão delicado. Hoje, vinte anos depois, a sexualidade do indivíduo (ainda) apresenta-se perante a sociedade como tabu.
A história de Max Walker é contada a partir do ponto de vista de vários personagens: ele próprio, família, amigos e uma médica. Particularmente, a visão dele, e a de seu irmão mais novo Daniel, foram as que mais me tocaram. Talvez porque o ponto de vista de uma criança de 10 anos seja tão lúdico e ingênuo que dissipe de forma breve os momentos de tensão e angústia que o livro provoca. Este tipo de narrativa com os vários pontos de vista me agrada bastante, como a que li em “O Trompete”, de Jackie Kay (aliás, cabe ressaltar aqui que nesta história, coincidentemente, a sexualidade é tema central da trama).
Max é chamado de Menino de Ouro porque, aos 16 anos, é popular, inteligente, jogador de futebol da equipe da escolar, o sonho de todas as garotas. Porém, Max é intersexual, o que significa que possui os dois gêneros, masculino e feminino. Apesar de se enxergar como menino, pois tem feições masculinas e gostar de meninas, o que fica claro é que não importa se o indivíduo nasceu com um pênis ou uma vagina, você consegue ser bem resolvido até que a pressão da sociedade o obrigue a atribuir-se identidades de gênero baseado em aparência externa. Em um dado momento, Max diz: “Você não deixa de ser mulher só porque gosta de ser a única que mete, nem deixa de ser um cara só porque gosta de receber”. Entende-se aqui que o sexo não define exatamente o que somos, mas sim um conjunto de ações processadas pela mente humana e executadas por nós.
É uma tarefa difícil resenhar mais parágrafos sobre este livro. Qualquer outra coisa que eu diga para preencher o vazio deste texto pode revelar mais do que o necessário.
Menino de Ouro é um bom livro. Cada um de nós é responsável por nossas escolhas. Como no caso de Max, quem seria o responsável pela escolha de ele ser menino ou menina assim que ele nasceu?
Destaques:
[1] “Respiro fundo, sem perceber que estava prendendo a respiração, e digo, em pânico:
– Ok, por que você está tentando me fazer parar de amar você? Porque eu digo agora, Max, não posso fazer isso.
Ele pisca.
– Deixe eu dizer uma coisa sobre mim. Você está ouvindo? – Max assente com a cabeça.
Tento me segurar e não chorar até terminar de falar.
– Eu não vou fazer você ficar comigo se você não me ama. Entendo que às vezes as pessoas se desapaixonam e não quero ficar com você se não me ama do jeito certo, porque, um dia, alguém vai amar. Entendeu?”
[2] “Lembro-me de uma vez, no dia do aniversário da minha mãe, aos atrás, antes de o Daniel nascer, quando ela ganhou um colar lindo. Era um coração, um coração de ouro que ela usa desde então. Ela chorou quando o retirou da caixa e ele disse: “Para o amor da minha vida”. Lembro-me de todas as ocasiões em que meu pai pareceu todo gentil, e todas as as imagens são dele com minha mãe. Ele a abraçando, ele dançando desajeitadamente com ela, suas fotos do casamento, nas quais ele olha para ela como se ela fosse a coisa mais incrível do mundo. Agora ele a jogou fora por minha causa. Ele pega um pano e limpa as bochechas. Então vem em direção à porta, e eu me afasto do buraco da fechadura e congelo.”