Divórcio
Autor: Ricardo Lísias
Editora: Alfaguara
Ano: 2013
Edição: 1ª
Páginas: 234
“ – Divórcio? Mas como se você nem casou ainda, Carol?”
Geralmente essa era a primeira pergunta que as pessoas me faziam quando eu respondia que estava a ler “Divórcio”.
Este foi o primeiro livro que li do Ricardo Lísias. Apesar de já conhecer seu nome, por causa do Céu dos Suicidas e do Livro dos Mandarins, ainda não tinha lido nada dele. Gostei bastante do estilo da narrativa: em primeira pessoa e dotado de angústia.
Diferente de qualquer coisa que já li, Ricardo Lísias atende pelo nome do autor e do narrador, também personagem da história. A verossimilhança é um fato à parte nesta história, e confesso, causou-se uma certa confusão. A primeira frase do livro é: Depois de quatro dias sem dormir, achei que tivesse morrido.
O título é bem direto. Começa com o narrador contando que foi traído pela esposa, a “maior jornalista de cultura do Brasil”, apenas quatro meses após o casamento dos dois. A descoberta acontece quando ele lê o diário escrito por ela enquanto dormia. Aí está algo que me incomodou. A curiosidade em saber o que o outro sente, no secreto da sua privacidade é uma coisa que não faria jamais. Sempre tive diários, desde que comecei a escrever, sendo um hábito incentivado pela minha mãe. Lembro como se fosse hoje, o dia que ela trouxe um diário que tinha um cadeado. Aqui, ela disse, você escreve o que sente, como foi seu dia. Ninguém tem o direito de pegar e ler. Coincidentemente, esses dias, arrumando um de meus armários, encontrei um dos meus inúmeros diários e abri justamente no dia em que minha avó faleceu. Li boas lembranças, e vejo como as coisas mudaram deste tempo para cá.
A narrativa é forte e um pouco doída. Principalmente em partes como: “Depois de quatro dias sem dormir, achei que tivesse morrido. Meu corpo deitado na cama que comprei quando saí de casa. Olhei-me de uma distância de dois metros e, além de olhos vidrados, tive coragem apenas para conferir a respiração. Meu tórax não se movia. Esperei alguns minutos e conferi de novo. A gente vive a morte acordado.”
Um exemplo do ponto de vista da ex-esposa descrito no diário: “Imagina eu tendo um filho com o autista com quem me casei. O Ricardo é patético, qualquer criança teria vergonha de ter um pai desse. Casei com um homem que não viveu. O Ricardo ficou trancado dentro de um quarto lendo a vida toda”. Dispensável.
Gostei do paralelismo entre o fim do casamento e a catástrofe. Os capítulos são intitulados com os quilômetros da corrida da São Silvestre. O hábito de correr fez parte do processo da cura para Ricardo. Dizem por aí que correr faz bem para a alma.
Ao avançar a leitura, é inevitável a pergunta: o que é ficção e realidade? O autor apresenta de maneira competente que estes dois elementos podem se misturar, dificultando a nós, leitores, traçar o limite exato onde a ficção começa e a realidade termina, ou vice-versa. Para deixar essa dúvida ainda mais latente, o autor recorre a fotos do seu próprio arquivo, que são colocadas ao longo do romance, deixando-o ainda mais nebuloso. Um recurso incrível e íntimo que torna a narrativa ainda mais interessante e bastante particular. Além disso, Ricardo Lísias dá um toque metalinguístico no final, mostrando que… bem, não posso falar aqui. Taí, depois de Dom Casmurro, Divórcio é meu novo romance nacional favorito.
E para variar, dessa vez resolvi aparecer na foto.
Ricardo Lísias entrou para a polêmica seleção de melhores jovens escritores brasileiros na Revista Granta (“Longe Daqui”).
Destaques:
[1] “Não lembro como voltei para o cafofo nem como passei a manhã do quinto dia. Quando por fim liguei o celular, havia quatro mensagens do Marcelo. Ele estava muito preocupado. Tudo bem, respondi. Ele replicou imediatamente: me manda uma mensagem a cada duas horas.”
[2] “Ela sabe de tudo o que me aconteceu. Algumas pessoas têm o desastre colado à pele que lhes resta e o identificam por aí. A moça do balcão também: você supera. Ramona concorda. Vai passar, bobo.”
[3] “Tenho trinta e seis anos e uma renda, há algum tempo, que me permite figurar entre os privilegiados. Mesmo assim, nunca fiz nenhuma aplicação financeira. Não guardo dinheiro. Compro livros com tudo o que me sobra. Jamais quis ter um carro ou me preocupei em comprar uma casa. Já gostei de algumas mulheres e ainda vou encontrar um grande amor para ter filhos e passar o resto da vida. Quanto aos objetos, como um tudo, sempre fui muito constante: gosto apenas de livros. Tenho doze mil e pretendo aos sessenta anos ter multiplicado meu acervo por dez.”
“Quem dá alguma chance para o amor fica vulnerável” (Lísias, Ricardo)
Gostei da sua resenha de Divórcio, mas a minha leitura o brilho de divórcio está na maneira como autor mostrou as voltas e voltas que a mente dá para que possamos esquecer um momento/uma pessoa/um relacionamento. Algumas vezes há raiva. Outras vezes há solidão. Em algumas e pena, e o medo de perder. Em outras a razão e a vontade de recuperar. Há momentos em que uma frase, apenas uma frase é martelada, martelada, martelada! Aaaaaahhh Notre Dame!!! Um tempo depois essa frase ganha um contexto, de maneira que um parágrafo ganha outro, que por sua vez ganha um nexo. No final, da ex é um personagem. Não é ela. Ela não existe, as amigas não existem. Estão te monitorando? Eles também não existem! Só existe o personagem, e este só existe na mente do autor.
Enfim, o livro é maravilhoso sim. Não posso dizer que tomou o posto de “O favorito” na minha lista, mas com certeza está bem lá no topo. =)
Tales, achei incrível seu ponto de vista. Estou pensando no próximo para lermos. Beijos.
O Lísias tem um estilo único, que eu adoro. Se você gostou dessa linha, eu sugiro que leia “Reprodução”, do Bernardo Carvalho, e “Digam a Satã que o recado foi entendido”, do Daniel Pellizzari. São livros igualmente loucos, divertidos e impactantes. Menos louco, mas também diferente, em especial pela composição das personagens, é “Cordilheira”, do Daniel Galera. 🙂
Um autor pra eu conhecer em 2014! 😀