Clarice,

Clarice,
Autor: Benjamin Moser
Editora: Cosac Naify
Ano: 2010
Edição: 2
Páginas: 648
Original: Why this world

Imagem

Li este livro em 2011, e agora posto aqui o que achei na época, escrito em um Moleskine. Foi um de meus presentes de 28 anos. O mais especial. Sem dúvida, foi o maior livro que já li até o presente momento. Cabe salientar aqui que esta edição da Cosac Naify está primorosa e bem feita. O livro é todo bonito e bem acabado. Diagramação, cores. Não encontrei nenhum erro de ortografia ou coisas do tipo. No final do livro, há um índice remissivo contendo as referências a autores e obras literárias. Ah, e sim, pronuncia-se “Clarice vírgula”.

Sinceramente, não esperava gostar tanto da biografia de uma autora que nunca havia lido. Desde a popularização de Clarice Lispector, desde a quase unanimidade do gosto de meninas por citações da autora, nunca me peguei pensando em ler algo da autora, e ainda mais especificamente sobre a vida dela. Mas me enganei. Me enganei feio, e preciso dizer que foi necessário ler tal obra.

Trata-se de um livro pesquisado e escrito por Benjamin Moser, um escritor norte americano que aprendeu português por acaso na graduação e ficou fascinado pela autora ucraniana, a ponto de pesquisar por 5 anos até concluir a obra que talvez o tenha projetado para a notoriedade mundial. Ou pelo menos, brasileira.

Clarice nasce na Ucrânia dos anos 20 (o que contraria o consciente coletivo nacional de que ela é brasileira), e passa fome com sua família no período do primeiro pós-guerra. Aliás, ela é eternamente sofrimento. Em um dado trecho do livro, ela escreve: “Sou tão misteriosa que não me entendo”. Às vezes penso que o mistério em torno de uma mulher é necessário. Talvez eu também seja tão misteriosa quanto, mas, diferente de Clarice, sejam as pessoas que não me entendam.

Um dos sofrimentos maiores de Lispector, suponho, foi ter a consciência inconsciente que ela foi a responsável pelo falecimento da sua mãe, que contraiu sífilis durante as pavorosas e traumáticas condições da guerra civil, e morreu de complicações durante seu parto.

Gostei do livro. Conhecer a trajetória de Clarice, desde seu nascimento, infância em Recife, e vida adulta me motivou a ler A Hora da Estrela. Seu sofrimento, sua dor e sua estima pela família confundem-se às vezes com o que penso para a vida. Talvez, afinal, toda mulher tenha um pouco de Clarice Lispector.

Na Bienal do Rio de 2011, acabei encontrando sua versão pocket, bem sucinta (sim, mas com texto integral). Bem, acho que vale à pena carregar este tijolo de mais de 600 páginas na mochila. Afinal, não é todo o dia que algum escritor tem sua obra tão bem retratada como aqui.

Destaques: 

[1] “Fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança. Mas eu, eu não me perdoo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe.”

[2] ““Toda história de uma pessoa é a história de seu fracasso”, escreveu Clarice, talvez pensando no seu próprio caso. “Eu era a culpada nata, aquela que nascera com o pecado mortal.” Enquanto sua mãe estava viva, ela ainda podia manter a esperança de que o seu nascimento não tinha sido em vão. Com a morte de Mania tal possibilidade se desvaneceu, e uma nota de tristeza apareceu na personalidade da criança alegre. “Muitas vezes a encontrei chorando silenciosamente, sozinha”, relembrava Tânia.”

[3] “Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim” -Clarice sobre Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, livro que Reveca, sua colega de classe anunciara ter, e a torturava com a promessa de que ela passasse em sua casa e pegasse. Até que um dia, a mãe de Reveca descobriu o tipo de filha que tinha, e emprestou a Clarice, dizendo que poderia ficar com o livro o tempo que desejasse.”

[4] “Somente uma coisa me faria bem agora. Seria adormecer com a cabeça no seu colo, você me dizendo bobagenzinhas gostosas pra eu esquecer a ruindade do mundo” 

[5] “E a Tânia ela escreveu: “Não estou tendo prazer em viajar. Gostaria de estar aí com vocês ou com Maury. O mundo todo é ligeiramente chato, parece. O que importa na vida é estar junto de quem se gosta. Isso é a maior verdade do mundo” 

[6] “Elisa tinha sua própria neurose de guerra paralisante. Em seu último romance, que a exemplo de No Exílio, é fortemente autobiográfico, Elisa escreveu: “mas sobreviver não é bom. Creia-me. Não se sobrevive por inteiro, e a parte de nós que sobra, estiola-se num não saber que fazer do tempo, que não flui, e da aridez da existência, que estanca. É um não saber o que fazer de si mesmo.””

[7] “Em Corpo a Corpo, o doloroso ajuste de contas que a solitária e insegura Elisa escreveu após a morte de Clarice, uma mulher (Elisa) escreve comoventemente a um homem (Clarice) que ela amou e perdeu:

Em tuas cartas, que agora recordo com tão viva lembrança, me amavas tanto, me adoravas, me engrandecias. Vias em mim sensibilidades de que eu mesma não suspeitava. E mais: induzia-me, quase que me imploravas, para que eu fosse feliz, apesar da tua ausência.

Através da distância me sublimavas.

Pelas cartas, o nosso amor era um tão grande amor!

– … talvez que, mesmo então, por minha natureza esquiva, eu não tivesse sabido me corresponder com expansivo amor ao que transbordava de tuas cartas, e também por isso eu me penitencio.

No entanto, eu te amava, e como!

E sempre me pedias que te escrevesse mais, querias saber das mínimas minúcias do meu cotidiano viver.

– … é mais uma razão para a princípio eu não ter entendido nem me conformado com o nosso gradual distanciamento mútuo quando retornaste da viagem, e em revide me haver retraído.”

[8] “Depois da volta de Clarice ao Brasil, ele lhe mandou uma carta eloquente, pedindo uma segunda chance.

Vou escrever-lhe pedindo perdão. Perdão com humildade mas sem humilhação. Falo-lhe com a autoridade de quem sofre, de quem está profundamente só, muito infeliz, sentindo na alma e na carne a sua falta e a dos meninos. Muitas das coisas que você vai ler provocar-lhe-ão raiva e escárnio. Sei disso, mas nada posso fazer.“

Sobre carolinayji

Desde que me conheço por gente, há algumas décadas, sou eu.
Esta entrada foi publicada em Benjamin Moser. ligação permanente.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s